sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Amor

Quando a minha mão bateu na sua cara, percebi que desta vez era a sério. Era real, não uma qualquer ilusão de ótica, não uma alucinação. Loki estava realmente diante de mim. Tínhamos acabado de nos envolver, ele tinha acabado de me enganar e eu tinha acabado de lhe bater.
-Lá se vai o meu último truque de magia – disse Loki, a voz que eu tanto tentara esquecer e ao mesmo tempo tanto tentara relembrar.
-Que é que estás aqui a fazer? E porque é que acabaste de te passar pelo Alexio? – perguntei, completamente confusa.
Não sabia como era possível Loki esboçar um sorriso sarcástico naquelas circunstâncias.
-Bridget, nunca houve o Alexio. Ele não existe. Todo este tempo… era eu. Disfarçado.
-O quê?
-É verdade. Confesso que fico contente por teres sido tão resistente ao charme “dele”, mas vejo que nem tu conseguiste resistir.
-És maluco! Como é que pudeste!? E porquê?
Ao ver-me tão desamparada, confusa e magoada, a expressão de Loki suavizou-se. E mesmo sem admitir, continuava a adorar o efeito que tinha sobre ele.
-Não estás a enlouquecer, Bridget – afirmou Loki, como se me lesse a mente – todas aquelas vezes… em Londres, em Tóquio… em Melbourne… todas aquelas vezes que julgaste ver-me, que achaste que estavas a endoidecer, era eu, Bridget. Era eu, lá da cela em Asgard, a projetar ilusões em Midgard, para me certificar de que estavas bem.
Aquilo apanhou-me desprevenida. A revelação de que não só não estava doida como também Loki usara o seu poder para se certificar de que eu estava bem era aterradora. Estranhamente, não desconfiei dele. Acho que a nossa relação há muito já passara do ponto da desconfiança. Agora sabia que ele faria tudo isto por mim. Mas isso não tornava nada disto mais fácil.
-E porque é que “criaste” o Alexio? E és mesmo tu, agora? Não és uma ilusão?
Loki sorriu. Mas desta vez foi um sorriso verdadeiro.
-Se eu fosse uma ilusão, esta ter-se-ia desvanecido com a tua bofetada. Sou real, Bridget. Sim, tu acabaste de me beijar, mesmo.
Revirei os olhos.
-Passei estes dois últimos anos fechado numa cela em Asgard. A minha mãe… visitou-me muitas vezes. O Thor também.
Fiquei contente com o facto de Loki chamar “mãe” a Frigga.
-Não penses que não foi difícil. Foi aterrador. Estava assustado. Era insuportável ter de passar todos aqueles dias na cela, sem… sem te poder ver. Sem te ter comigo. A única coisa que me mantinha são, além das visitas da minha família, eras tu. Pensar que um dia sairia daquele lugar para te voltar a ver. Acho que me fizeste descobrir a esperança, Bridget. Foste o que manteve a minha sanidade.
Engoli a emoção e forcei-me a falar com uma voz firme.
-Isso não explica o facto de aqui estares.
-Acho que tinhas razão. Descobri que há pessoas, além de ti, que ainda se preocupam comigo. A minha mãe e o Thor, por exemplo. Viram que estava lentamente a enlouquecer naquele lugar, sabiam que não ia aguentar muito mais tempo sem ti. E levar-te para Asgard não era uma opção, nem eu queria isso. Então fizeram algo que eu sei que nunca serei capaz de retribuir, algo que eu sei que não mereço. Foram falar com Odin. Moveram montanhas para o convencer. Ele gosta demasiado do Thor e da minha mãe, por isso acedeu. Deixou-me ir embora da prisão, deixou-me regressar a Midgard, mas com uma condição. Estou privado dos meus poderes. Odin tirou-mos. Esta ilusão com o Alexio foi a minha última. Confesso que, para último truque, foi bastante bom.
Revirei os olhos, mas não disse nada. Estava demasiado comovida e surpreendida com o facto de Loki ter preferido vir para a Terra sem o seus poderes do que ficar em Asgard com eles. E tudo por mim.
-A minha mãe e Thor vêm visitar-me. Heimdall está constantemente a vigiar-me. Odin quer que me misture com os humanos. Vai ser difícil, sendo eu considerado o maior inimigo da Terra.
-Podes sempre fazer como eu – declarei.
-Eu sei. Pintaste o cabelo - observou Loki. Depois hesitou por um segundo – preferia-te loira.
Não respondi, pelo que Loki prosseguiu:
-Estar aqui, sem poderes, é, segundo Odin, como vir cumprir o resto da minha sentença em Midgard. Mas estar contigo nunca será uma sentença.
Desviei os olhos dos dele.
-Passaram-se dois anos, Loki. Dois anos sem ter qualquer notícia de ti, dois anos a tentar esquecer-te, a evitar pensar em ti, ainda que fosse inevitável. Odeio-te por não me teres dito que eras tu, por não me teres garantido que não estava a ficar louca, de todas aquelas vezes que pensei que te via. Odeio-te por me teres feito sofrer tanto, por me teres enganado, por te aproveitares!
Loki olhou-me com tal tristeza que julguei não poder continuar. Mas prossegui.
-Odeio-te por me teres feito apaixonar por ti, odeio-te por tudo o que passei por tua causa, mas acima de tudo, a única razão porque te odeio é porque te amo! E odeio como te amo, e ao mesmo tempo não odeio. Ao mesmo tempo sei que não me arrependo, porque isto, o que nós temos, é a coisa mais feliz que já me aconteceu na vida. Porque és tu a pessoa que me faz sentir mais viva, porque és tu em quem eu estou sempre a pensar, porque no final do dia foste tu que estiveste lá para mim… e porque sei que, apesar de tudo, foste a melhor coisa que já me aconteceu na vida.
Já não conseguia controlar, as lágrimas escorriam-me pela cara abaixo. Mas eu não me importava. Tudo o que dissera era a mais pura das verdades, sempre o soubera. E agora conseguira admiti-lo, não só a mim, mas a Loki. Não sabia como era possível amar alguém que já causara tanto mal, mas amava. Porque ele tinha mostrado o lado bom, de uma forma indireta ou não.
Loki aproximou-se, a sua mão fria a limpar-me as lágrimas, a testa dele a tocar na minha, os nossos narizes quase a tocarem-se, como quando ele era Alexio.
-Tu sabes que eu não te mereço, que nunca te merecerei.
Desencostei a minha testa da dele.
-Não te tentes convencer que só há maldade em ti, Loki, porque eu já vi a bondade. Vi como lutaste por mim, como me salvaste do Klaus, como nos ajudaste a enfrentar Magneto… vi a tua preocupação e o teu carinho, não só por mim, mas por Frigga e Thor. Acho que é altura de começares a convencer-te de que os teus tempos de vilão acabaram, Loki. Tu não és assim. Em parte estavas a ser controlado pelo Tesseract. E em parte estavas consumido por mentiras e vinganças. Não que eu te esteja a desculpar, tu sabes que não. Só estou a dizer a verdade. Sei que nunca devias ter agido como certas vezes agiste, mas aprendes com os erros. Tu próprio o disseste. Talvez… talvez um dia consigas perceber o que é o perdão humano. Talvez um dia consigas perdoar-te a ti próprio. Tu sabes que eu já te perdoei há muito.
E depois aconteceu algo que eu nunca esperei que acontecesse. Os olhos de Loki ficaram húmidos, e as lágrimas começaram a descer-lhe lentamente das faces. Estava a chorar. O outrora Deus do Prejuízo estava a chorar.
-Loki… – murmurei.
-Bridget, tu és a melhor coisa que eu tenho na vida. Algo que eu nunca pensei que me pudesse vir a acontecer, algo que eu sei que não mereço. E o facto de que tu continuas a amar-me, mesmo depois de tudo o que eu fiz… eu sei que não fiz nada, em todos os meus anos de vida, tão bom para te merecer.
-Loki, o amor não é sobre isso. Amor é quando duas pessoas, independentemente dos erros do passado, se conseguem olhar nos olhos e dizer o que sentem. E a mim sempre me foi difícil dizer como me sinto. Mas eu sei disto, Loki. Eu amo-te.
Agora também eu estava a chorar. Era um momento demasiado intenso e emocionante para conseguir reter as lágrimas. Loki voltou a encostar a testa na minha. Desta vez, não hesitou. Colou os lábios dele aos meus, uma explosão de emoções subindo pelo meu corpo acima, correndo nas minhas veias. Sentia frio e calor ao mesmo tempo.
Nunca na vida pensara que algo assim, apaixonar-me por alguém como Loki, me pudesse acontecer. Mas não me arrependia. Muitos dos erros dele eram indesculpáveis, sim, e se amá-lo também fosse, então está bem. O nosso amor seria indesculpável. Mas ninguém podia negar que ele não era também intenso, emocionante e ardente. 

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Desejo

Os olhos azuis-esverdeados dele encontraram os meus por breves instantes. Estava do outro lado da rua, dentro de uma loja de recordações, a espreitar cá para fora pela montra. O meu coração parou, susti a respiração e acho que comecei a tremer.
Sabia que não era possível. Tinha sido uma ilusão de ótica. Quando voltei a olhar, ele já lá não estava.
Mas também não era a primeira vez que acontecia.
Ao longo destes dois anos tinham havido ocasiões, raras e breves, mas em tudo intensas, em que eu julgara ver Loki. De todas as vezes o coração se me enchera de esperança, e em todas as vezes me convenci também que não era possível e que tudo não passava de uma partida pregada pela minha mente melancólica e confusa.
A primeira vez que acontecera fora três meses depois de deixar Nova Iorque. Estava em Londres, Inglaterra, e tinha ido a um restaurante com um rapaz. Sim, dera-me para aquilo. Nunca fora namoradeira, mas tinha esperanças de conhecer alguém que me fizesse parar de pensar em Loki. Talvez fosse por isso que ainda não descartara Alexio.
Estava a chover quando eu e o rapaz inglês, cujo nome já não me recordo, fomos jantar ao restaurante. Sentámo-nos na mesa, encharcados, e esperámos, a rir, que o empregado viesse para anotar os pedidos. Ele veio, mas o que voltou com os pratos não era o mesmo. Não. Este era alto e elegante, vestido com um rico fato preto. Tinha os olhos azuis-esverdeados mais enigmáticos que já vira, o cabelo preto liso pelos ombros. Era a cara de Loki. Eu ficara sem reagir. Fechei os olhos e depois voltei a abri-los. Já não era Loki que lá estava. Era o mesmo empregado de antes.
Convencera-me que tinha sido a minha mente a brincar comigo. O facto de isso não voltar a acontecer ajudou. Só vários meses depois é que julguei vê-lo de novo.
A segunda vez que aconteceu estava eu num cinema, em Tóquio, no Japão, cerca de cinco meses depois de ter acontecido a primeira vez, com um grupo de raparigas de quem me tornara amiga. Estávamos a sentar-nos nos assentos, à espera que o filme começasse. As pessoas passavam à nossa frente, procurando os lugares onde se deviam sentar. Lembro-me perfeitamente de uma das raparigas me ter dito em Inglês “olha-me este pão”. Eu olhei e o meu coração saltou quando vi um homem alto, vestido com umas simples calças de ganga e uma t-shirt verde, a passar por nós. Ele não desviou os olhos azuis-esverdeados de mim. Um segundo depois a cara do homem transfigurou-se para um rapaz normal, que eu consideraria giro não fosse o caso de ter acabado de voltar a vê-lo novamente. Não pensei que isso voltasse a acontecer. Novamente me convenci de que era apenas uma partida.
A terceira vez foi talvez a mais marcante. Fazia exatamente um ano que vira Loki pela última vez, que me despedira dele. Não era propriamente um dia em que me apetecesse estar bem-disposta, mas mesmo assim fui até à praia, em Melbourne, na Austrália.
Estava um dia ótimo, com pessoas a surfar, crianças a brincar e rapazes giros em tronco nu. Eu estava a pôr protetor solar quando um rapaz louro e de olhos azuis veio ter comigo a perguntar-me se mo podia pôr. Se fosse antes não tinha aceitado, mas naquele dia disse que sim.
Ele espalhou-mo suavemente e fomos conversando. Eu estava deitada na toalha enquanto ele mo punha. Quando virei a cara para lhe agradecer, os meus olhos esbugalharam-se. Já não era o rapaz louro que me espalhava suavemente protetor solar pelas costas, mas sim Loki. De repente o toque dele nas minhas costas fez-me sentir mais viva do que qualquer outra coisa no mundo. E depois, no minuto seguinte, ele evaporara-se, reaparecendo o rapaz louro.
Naquela altura comecei a perguntar-me se não estaria a ficar louca. Podia tolerar uma vez, ou mesmo duas, mas imaginar Loki três vezes, assim tão vívido e real, era de estranhar e de enlouquecer. Lembro-me de ter pegado nas coisas e ido embora a correr da praia.
Lentamente, e à medida que o tempo passava e eu não dava sinais de loucura, fui-me acalmando. Convenci-me por tudo que aquelas alucinações não passavam da minha imaginação a tentar enganar-me, que Loki estava preso em Asgard e que provavelmente eu nunca mais o iria ver.
Mas agora ali, em Atenas, acontecera pela quarta vez. E não mudava nada o facto de me tentar convencer que era tudo imaginação. Eu estava mesmo a enlouquecer.
Agora sabia-o.
Abri a minha carteira e depositei rapidamente uma nota de cinco euros na mesa, levantando-me em seguida. Ouvi Alexio chamar-me, mas virei-me e corri o mais rápido que pude. As lágrimas ameaçavam cair-me pela cara abaixo, mas aquilo era demais. Imaginar Loki quatro vezes era a gota de água.
Entrei numa rua vazia e espantei-me quando vi Alexio a correr para vir ter comigo. Nunca pensei que ele se esforçasse tanto comigo. E naquele momento pensei se não seria mais fácil tentar esquecer Loki com atos e não apenas com palavras, tentei convencer-me que a minha loucura podia ser facilmente curada no abrigo de Alexio. E por outro lado, se estava realmente a ficar louca, não seria mais fácil e lógico entregar-me à loucura de vez?
Assim, agarrei Alexio pelos colarinhos da camisa e empurrei-o contra a parede, beijando-o furiosamente. O beijo soube surpreendentemente bem. Os lábios dele depressa corresponderam, e ele puxou-me para si, agarrando-me pela cintura. Despenteei-lhe o cabelo naturalmente rebelde e aprofundei o beijo. As mãos dele deslizaram da minha cintura, agarraram as minhas coxas, puxando-me para cima, e eu entrelacei as minhas pernas à volta da cintura dele. Ele rodou-nos, ficando eu encostada à parede. A excitação e adrenalina corriam nas minhas veias, fazendo-me sentir viva e rebelde. A sensação era semelhante à de quando imaginara Loki a pôr-me protetor solar nas costas.
Os nossos lábios separaram-se, ambos procurando recuperar o fôlego. Tínhamos as testas encostadas, os narizes quase a tocarem-se. Ele beijou-me o pescoço, percorrendo a linha do maxilar com beijos delicados, até roçar os lábios nos meus, provocador. Puxei-o ainda mais para mim, sentindo um ardor e uma vontade dentro de mim que nunca sentira. Os meus lábios esmagaram os dele, ambos dançando em perfeita sintonia. O toque frio das mãos dele nas minhas coxas e costas era reconfortante. Eu tinha uma das mãos no cabelo dele e a outra desabotoava os botões de cima da sua camisa.
Fechei os olhos, querendo absorver aquele momento. O sabor dos lábios dele nos meus era uma sensação deliciosa: como um gelado que eu nunca queria acabar de saborear. O seu toque era frio e firme, mas ao mesmo tempo quente e delicado. Aquilo parecia tão errado, e no entanto, nunca algo na vida me parecera tão certo.
-Tive saudades tuas, Bridget – aquela voz foi como se me tivessem mandado um balde de água gelada para cima. Abri os olhos abruptamente e percebi de súbito por que razão o toque e o sabor dele me pareciam tão frios. Percebi porque é que me sentia tão bem nos braços de um desconhecido, e porque me sentia tão viva. Os meus olhos não se cruzaram com os castanhos de Alexio, a minha mão não estava a agarrar os seus caracóis pretos, os meus lábios não estavam a beijar os seus.
Não era Alexio há minha frente. Mas sim o Deus do Prejuízo em pessoa.
Os seus olhos azuis-esverdeados fitavam os meus com tantas emoções: fúria, desejo, luxúria, paixão. Os seus lábios rudes nos meus, era como se ele não quisesse nunca que o momento acabasse, e por muito que me custasse admitir, eu também não.
Mas depois percebi. Estava enrolada com Loki, a beijar os seus lábios. Por isso desentrelacei as pernas da cintura dele, reuni toda a força que consegui e empurrei-o para longe.
Depois não fiz mais nada.
A minha mão atingiu-o em cheio na cara.

2 Anos Depois

2 anos depois

O sol batia com força nas costas do meu top turquesa. Estava sentada numa esplanada de um café, em Atenas, na Grécia, com um bonito rapaz há minha frente.
Parecia-me que ele estava mais interessado no meu conjunto de top curto e calções brancos do que propriamente na nossa conversa, mas não me importei. Levei a palhinha do sumo de laranja à boca, sem tirar os olhos dele. Sabia que as raparigas há minha volta me olhavam com inveja, e não era para menos. Alexio, o rapaz há minha frente, parecia mesmo um “deus grego”. Moreno, de olhos castanhos cor de chocolate, rebeldes caracóis pretos e um sorriso de anjo que fazia levar qualquer uma à loucura.
Qualquer uma que não tivesse já o coração ocupado.
Conhecera Alexio uma semana depois de chegar a Atenas. Fora um encontro muito casual. Eu estava deitada na areia de uma das belas praias de Atenas e ele estava a jogar voleibol com uns amigos não longe dali. Já tinha reparado nele, claro. Apesar de os amigos serem giros, eram facilmente ofuscados por aquela beleza. No entanto, não mostrei muito interesse, preferindo preocupar-me em não ser atingida pela demoníaca bola de voleibol.
Não sei se foi estratégia ou acidente, o que é certo é que a bola de voleibol me acertou na perna direita. Eu estava com óculos de sol, de olhos fechados e só dois segundos depois de sentir o impacto da bola no meu corpo é que abri os olhos e me sentei. Lá estava ele, de calções de banho verdes, exibindo um corpo de fazer inveja e com o seu lindo sorriso. Viu logo que eu era estrangeira pelo que falou comigo num inglês com sotaque que devia derreter todas, mas que a mim me irritou um bocadinho. Ele pediu desculpa e, vendo-me sozinha, aproveitou para meter conversa. Eu alinhei e dali a pouco já estava ele a pedir-me para sair.
Saímos algumas vezes. Ele era atraente e chamava constantemente as atenções. Não que não fosse atencioso, mas era muito atiradiço. Nunca fomos além de conversas, embora ele tivesse tentado. Devia ser isso que ele gostava em mim, o facto de me fazer de difícil. Para ser sincera, estava à espera que ele se fartasse e partisse para outra, mas por outro lado gostava do gozo que a situação me proporcionava e do facto de ser “a escolhida” entre todas as raparigas. Infantil, sim. Mas bom para o esquecer.
O que, claro, era algo que nunca tinha conseguido fazer. Pode ser difícil ou mesmo impossível de acreditar, mas não passara um único dia ao longo destes dois anos em que não tivesse pensado nele.
E em tudo o que se passara entre nós, tudo o que acontecera. Em como o tinha deixado ir, assim, sem mais ou menos. Culpava o orgulho, culpava o facto de nunca podermos estar juntos, mas sabia que não era nada disso. Tinha sido por medo que o tinha deixado ir. Era por medo que o continuava a tentar esquecer, em vez de lutar.
O mundo acalmara muito depois do ataque de Magneto (claro que continuava a recusar-me a chamar-lhe pai). Fury não me chamara para mais nenhuma missão. Não era por não haver missões para realizar, bem o sabia. Fury apenas temia que voltar à S.H.I.E.L.D. e recordar tudo me fizesse desmoronar. Temia que me descontrolasse. Para ser sincera, eu também o temia.
Por isso tinha andado em viagens pelo mundo durante estes dois anos. Vida boa, pois era. Conhecer novas culturas e pessoas diferentes, visitar símbolos nacionais ou locais que só aparecem nos filmes, sim, era um sonho. Mas por vezes sentia falta de um lar, de um refúgio, de voltar para casa ao fim de um longo dia de trabalho, de me aconchegar no sofá a ver um filme.
A minha vida nestes dois últimos anos havia-se tornado uma festa: uma constante e imutável diversão. Dinheiro não faltava, sítios para ver e locais para visitar também não. Ia sozinha, mas depressa conhecia outras pessoas. Mudara de visual para não ser reconhecida como Magnum. Detestaria ir de férias como famosa. Pintara o cabelo de castanho, deixara-o crescer e usava roupas mais sofisticadas porque as pessoas sabiam que o visual da mística Magnum consistia em modestas calças de ganga e t-shirts largas.
Falava frequentemente com os Vingadores. Cada um seguira o seu caminho. Não houvera mais nenhuma ameaça e por isso não fora necessário ao grupo voltar a juntar-se. Mas eles reuniam-se de vez em quando, para sair e divertirem-se. Como eram mundialmente conhecidos via-os muitas vezes em capas de revistas, principalmente a Tony, e também em eventos.
Natasha contara-me que consolidara a sua relação com Clint: estavam agora mais próximos de uma relação amorosa, embora as suas personalidades distantes e complexas ainda não tivessem permitido uma aproximação mais profunda.
As indústrias Stark iam de vento em popa. Tony continuava a construir mais armaduras e a ser a “personalidade” do ano. Pedira Pepper finalmente em casamento, que ainda não tinha data marcada.
A Bruce era agora cada vez mais fácil controlar a sua raiva. O Hulk já raramente saía cá para fora, e o cientista dedicava-se a ajudar os outros e a tentar arranjar curas para doenças.
Thor continuava em Asgard. Não ouvira mais notícias dele. Desconfiava que os Vingadores fossem sabendo dele, mas nenhum deles me contava. Eu também não perguntava. Eles sabiam que eu me importava com Thor e que claro que queria saber se ele estava bem, mas era um assunto demasiado próximo dele e por isso preferia evitá-lo. De resto, sabia que Thor tinha vindo várias vezes à Terra para se encontrar com a sua amada, Jane Foster.
E Steve… bom, Steve continuava o mesmo soldado responsável e amável que conheci. Natasha referia várias vezes que ele tinha muitas saudades minhas. Eu falava com ele algumas vezes por telefone, mas sentia-o distante. Sabia que não era por me ter ido embora que ele estava chateado, era por quem eu me tinha embora. Ele nunca me perdoara por me apaixonar por ele.
Era com Natasha que falava mais frequentemente: mandava-lhe vários postais das minhas viagens. Também lhe escrevia, e falávamos por telefone e Internet. Eles tinham saudades minhas, eu deles. Culpava-me por os ter deixado, mas tinha de o fazer. Não por ele. Por mim.
Tinha viajado pelos cinco continentes e em nenhuma ocasião se revelara necessário usar os meus poderes. Era impossível esquecê-los, no entanto. Faziam parte de mim. E eu não podia mudar o facto de ser filha de Magneto.
Não que não gostasse dos meus poderes. Claro que era bom sentir-me poderosa e intocável, mas com eles também vinham memórias dolorosas, e outras boas, que se tornavam ainda mais dolorosas pelo facto de serem boas e não voltarem mais.
De repente Alexio pôs-me a mão no joelho. Eu perdera-me no laranja do sumo e no castanho dos seus olhos, pondo-me a pensar no passado. Ele já devia ter repetido a mesma frase para aí umas cinquenta vezes, com aquela paciência que o permitia ter tanto tempo para o sexo oposto.
-Estás bem? – perguntou-me ele em Inglês com o seu sotaque grego. Habituara-me a ele ao longo do tempo.
-Estou ótima – respondi. Olhei para mão dele no meu joelho. Ele percebeu e retirou-a.
-Desculpa. Sei que não gostas…
-É complicado – respondi. Ele esboçou um sorriso franco.
-É sempre – depois baixou o tom de voz, falando com uma voz sedutora e doce – mas tu sabes que comigo não tem de ser.
-Eu sei – acabei por dizer. Depois desviei o olhar para o lado e o meu coração parou.