Os olhos
azuis-esverdeados dele encontraram os
meus por breves instantes. Estava do outro lado da rua, dentro de uma loja de
recordações, a espreitar cá para fora pela montra. O meu coração parou, susti a
respiração e acho que comecei a tremer.
Sabia que não era
possível. Tinha sido uma ilusão de ótica. Quando voltei a olhar, ele já lá não estava.
Mas também não era a
primeira vez que acontecia.
Ao longo destes dois
anos tinham havido ocasiões, raras e breves, mas em tudo intensas, em que eu
julgara ver Loki. De todas as vezes o coração se me enchera de esperança, e em
todas as vezes me convenci também que não era possível e que tudo não passava
de uma partida pregada pela minha mente melancólica e confusa.
A primeira vez que
acontecera fora três meses depois de deixar Nova Iorque. Estava em Londres,
Inglaterra, e tinha ido a um restaurante com um rapaz. Sim, dera-me para
aquilo. Nunca fora namoradeira, mas tinha esperanças de conhecer alguém que me
fizesse parar de pensar em Loki. Talvez fosse por isso que ainda não descartara
Alexio.
Estava a chover
quando eu e o rapaz inglês, cujo nome já não me recordo, fomos jantar ao
restaurante. Sentámo-nos na mesa, encharcados, e esperámos, a rir, que o
empregado viesse para anotar os pedidos. Ele veio, mas o que voltou com os
pratos não era o mesmo. Não. Este era alto e elegante, vestido com um rico fato
preto. Tinha os olhos azuis-esverdeados mais enigmáticos que já vira, o cabelo
preto liso pelos ombros. Era a cara de Loki. Eu ficara sem reagir. Fechei os
olhos e depois voltei a abri-los. Já não era Loki que lá estava. Era o mesmo
empregado de antes.
Convencera-me que
tinha sido a minha mente a brincar comigo. O facto de isso não voltar a
acontecer ajudou. Só vários meses depois é que julguei vê-lo de novo.
A segunda vez que
aconteceu estava eu num cinema, em Tóquio, no Japão, cerca de cinco meses
depois de ter acontecido a primeira vez, com um grupo de raparigas de quem me
tornara amiga. Estávamos a sentar-nos nos assentos, à espera que o filme
começasse. As pessoas passavam à nossa frente, procurando os lugares onde se
deviam sentar. Lembro-me perfeitamente de uma das raparigas me ter dito em
Inglês “olha-me este pão”. Eu olhei e o meu coração saltou quando vi um homem
alto, vestido com umas simples calças de ganga e uma t-shirt verde, a passar
por nós. Ele não desviou os olhos azuis-esverdeados de mim. Um segundo depois a
cara do homem transfigurou-se para um rapaz normal, que eu consideraria giro
não fosse o caso de ter acabado de voltar a vê-lo novamente. Não pensei que isso voltasse a acontecer. Novamente
me convenci de que era apenas uma partida.
A terceira vez foi
talvez a mais marcante. Fazia exatamente um ano que vira Loki pela última vez,
que me despedira dele. Não era propriamente um dia em que me apetecesse estar
bem-disposta, mas mesmo assim fui até à praia, em Melbourne, na Austrália.
Estava um dia ótimo,
com pessoas a surfar, crianças a brincar e rapazes giros em tronco nu. Eu
estava a pôr protetor solar quando um rapaz louro e de olhos azuis veio ter
comigo a perguntar-me se mo podia pôr. Se fosse antes não tinha aceitado, mas
naquele dia disse que sim.
Ele espalhou-mo
suavemente e fomos conversando. Eu estava deitada na toalha enquanto ele mo
punha. Quando virei a cara para lhe agradecer, os meus olhos esbugalharam-se.
Já não era o rapaz louro que me espalhava suavemente protetor solar pelas
costas, mas sim Loki. De repente o toque dele nas minhas costas fez-me sentir
mais viva do que qualquer outra coisa no mundo. E depois, no minuto seguinte,
ele evaporara-se, reaparecendo o rapaz louro.
Naquela altura
comecei a perguntar-me se não estaria a ficar louca. Podia tolerar uma vez, ou
mesmo duas, mas imaginar Loki três vezes, assim tão vívido e real, era de
estranhar e de enlouquecer. Lembro-me de ter pegado nas coisas e ido embora a
correr da praia.
Lentamente, e à
medida que o tempo passava e eu não dava sinais de loucura, fui-me acalmando.
Convenci-me por tudo que aquelas alucinações não passavam da minha imaginação a
tentar enganar-me, que Loki estava preso em Asgard e que provavelmente eu nunca
mais o iria ver.
Mas agora ali, em
Atenas, acontecera pela quarta vez. E não mudava nada o facto de me tentar
convencer que era tudo imaginação. Eu estava mesmo a enlouquecer.
Agora sabia-o.
Abri a minha
carteira e depositei rapidamente uma nota de cinco euros na mesa, levantando-me
em seguida. Ouvi Alexio chamar-me, mas virei-me e corri o mais rápido que pude.
As lágrimas ameaçavam cair-me pela cara abaixo, mas aquilo era demais. Imaginar
Loki quatro vezes era a gota de água.
Entrei numa rua
vazia e espantei-me quando vi Alexio a correr para vir ter comigo. Nunca pensei
que ele se esforçasse tanto comigo. E naquele momento pensei se não seria mais
fácil tentar esquecer Loki com atos e não apenas com palavras, tentei
convencer-me que a minha loucura podia ser facilmente curada no abrigo de
Alexio. E por outro lado, se estava realmente a ficar louca, não seria mais
fácil e lógico entregar-me à loucura de vez?
Assim, agarrei
Alexio pelos colarinhos da camisa e empurrei-o contra a parede, beijando-o
furiosamente. O beijo soube surpreendentemente bem. Os lábios dele depressa
corresponderam, e ele puxou-me para si, agarrando-me pela cintura.
Despenteei-lhe o cabelo naturalmente rebelde e aprofundei o beijo. As mãos dele
deslizaram da minha cintura, agarraram as minhas coxas, puxando-me para cima, e
eu entrelacei as minhas pernas à volta da cintura dele. Ele rodou-nos, ficando
eu encostada à parede. A excitação e adrenalina corriam nas minhas veias,
fazendo-me sentir viva e rebelde. A sensação era semelhante à de quando
imaginara Loki a pôr-me protetor solar nas costas.
Os nossos lábios
separaram-se, ambos procurando recuperar o fôlego. Tínhamos as testas
encostadas, os narizes quase a tocarem-se. Ele beijou-me o pescoço, percorrendo
a linha do maxilar com beijos delicados, até roçar os lábios nos meus,
provocador. Puxei-o ainda mais para mim, sentindo um ardor e uma vontade dentro
de mim que nunca sentira. Os meus lábios esmagaram os dele, ambos dançando em
perfeita sintonia. O toque frio das mãos dele nas minhas coxas e costas era
reconfortante. Eu tinha uma das mãos no cabelo dele e a outra desabotoava os
botões de cima da sua camisa.
Fechei os olhos,
querendo absorver aquele momento. O sabor dos lábios dele nos meus era uma
sensação deliciosa: como um gelado que eu nunca queria acabar de saborear. O
seu toque era frio e firme, mas ao mesmo tempo quente e delicado. Aquilo
parecia tão errado, e no entanto, nunca algo na vida me parecera tão certo.
-Tive saudades tuas,
Bridget – aquela voz foi como se me tivessem mandado um balde de água gelada
para cima. Abri os olhos abruptamente e percebi de súbito por que razão o toque
e o sabor dele me pareciam tão frios. Percebi porque é que me sentia tão bem
nos braços de um desconhecido, e
porque me sentia tão viva. Os meus olhos não se cruzaram com os castanhos de
Alexio, a minha mão não estava a agarrar os seus caracóis pretos, os meus
lábios não estavam a beijar os seus.
Não era Alexio há
minha frente. Mas sim o Deus do Prejuízo em pessoa.
Os seus olhos
azuis-esverdeados fitavam os meus com tantas emoções: fúria, desejo, luxúria, paixão.
Os seus lábios rudes nos meus, era como se ele não quisesse nunca que o momento
acabasse, e por muito que me custasse admitir, eu também não.
Mas depois percebi.
Estava enrolada com Loki, a beijar os seus lábios. Por isso desentrelacei as
pernas da cintura dele, reuni toda a força que consegui e empurrei-o para
longe.
Depois não fiz mais
nada.
A minha mão
atingiu-o em cheio na cara.
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