quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Desejo

Os olhos azuis-esverdeados dele encontraram os meus por breves instantes. Estava do outro lado da rua, dentro de uma loja de recordações, a espreitar cá para fora pela montra. O meu coração parou, susti a respiração e acho que comecei a tremer.
Sabia que não era possível. Tinha sido uma ilusão de ótica. Quando voltei a olhar, ele já lá não estava.
Mas também não era a primeira vez que acontecia.
Ao longo destes dois anos tinham havido ocasiões, raras e breves, mas em tudo intensas, em que eu julgara ver Loki. De todas as vezes o coração se me enchera de esperança, e em todas as vezes me convenci também que não era possível e que tudo não passava de uma partida pregada pela minha mente melancólica e confusa.
A primeira vez que acontecera fora três meses depois de deixar Nova Iorque. Estava em Londres, Inglaterra, e tinha ido a um restaurante com um rapaz. Sim, dera-me para aquilo. Nunca fora namoradeira, mas tinha esperanças de conhecer alguém que me fizesse parar de pensar em Loki. Talvez fosse por isso que ainda não descartara Alexio.
Estava a chover quando eu e o rapaz inglês, cujo nome já não me recordo, fomos jantar ao restaurante. Sentámo-nos na mesa, encharcados, e esperámos, a rir, que o empregado viesse para anotar os pedidos. Ele veio, mas o que voltou com os pratos não era o mesmo. Não. Este era alto e elegante, vestido com um rico fato preto. Tinha os olhos azuis-esverdeados mais enigmáticos que já vira, o cabelo preto liso pelos ombros. Era a cara de Loki. Eu ficara sem reagir. Fechei os olhos e depois voltei a abri-los. Já não era Loki que lá estava. Era o mesmo empregado de antes.
Convencera-me que tinha sido a minha mente a brincar comigo. O facto de isso não voltar a acontecer ajudou. Só vários meses depois é que julguei vê-lo de novo.
A segunda vez que aconteceu estava eu num cinema, em Tóquio, no Japão, cerca de cinco meses depois de ter acontecido a primeira vez, com um grupo de raparigas de quem me tornara amiga. Estávamos a sentar-nos nos assentos, à espera que o filme começasse. As pessoas passavam à nossa frente, procurando os lugares onde se deviam sentar. Lembro-me perfeitamente de uma das raparigas me ter dito em Inglês “olha-me este pão”. Eu olhei e o meu coração saltou quando vi um homem alto, vestido com umas simples calças de ganga e uma t-shirt verde, a passar por nós. Ele não desviou os olhos azuis-esverdeados de mim. Um segundo depois a cara do homem transfigurou-se para um rapaz normal, que eu consideraria giro não fosse o caso de ter acabado de voltar a vê-lo novamente. Não pensei que isso voltasse a acontecer. Novamente me convenci de que era apenas uma partida.
A terceira vez foi talvez a mais marcante. Fazia exatamente um ano que vira Loki pela última vez, que me despedira dele. Não era propriamente um dia em que me apetecesse estar bem-disposta, mas mesmo assim fui até à praia, em Melbourne, na Austrália.
Estava um dia ótimo, com pessoas a surfar, crianças a brincar e rapazes giros em tronco nu. Eu estava a pôr protetor solar quando um rapaz louro e de olhos azuis veio ter comigo a perguntar-me se mo podia pôr. Se fosse antes não tinha aceitado, mas naquele dia disse que sim.
Ele espalhou-mo suavemente e fomos conversando. Eu estava deitada na toalha enquanto ele mo punha. Quando virei a cara para lhe agradecer, os meus olhos esbugalharam-se. Já não era o rapaz louro que me espalhava suavemente protetor solar pelas costas, mas sim Loki. De repente o toque dele nas minhas costas fez-me sentir mais viva do que qualquer outra coisa no mundo. E depois, no minuto seguinte, ele evaporara-se, reaparecendo o rapaz louro.
Naquela altura comecei a perguntar-me se não estaria a ficar louca. Podia tolerar uma vez, ou mesmo duas, mas imaginar Loki três vezes, assim tão vívido e real, era de estranhar e de enlouquecer. Lembro-me de ter pegado nas coisas e ido embora a correr da praia.
Lentamente, e à medida que o tempo passava e eu não dava sinais de loucura, fui-me acalmando. Convenci-me por tudo que aquelas alucinações não passavam da minha imaginação a tentar enganar-me, que Loki estava preso em Asgard e que provavelmente eu nunca mais o iria ver.
Mas agora ali, em Atenas, acontecera pela quarta vez. E não mudava nada o facto de me tentar convencer que era tudo imaginação. Eu estava mesmo a enlouquecer.
Agora sabia-o.
Abri a minha carteira e depositei rapidamente uma nota de cinco euros na mesa, levantando-me em seguida. Ouvi Alexio chamar-me, mas virei-me e corri o mais rápido que pude. As lágrimas ameaçavam cair-me pela cara abaixo, mas aquilo era demais. Imaginar Loki quatro vezes era a gota de água.
Entrei numa rua vazia e espantei-me quando vi Alexio a correr para vir ter comigo. Nunca pensei que ele se esforçasse tanto comigo. E naquele momento pensei se não seria mais fácil tentar esquecer Loki com atos e não apenas com palavras, tentei convencer-me que a minha loucura podia ser facilmente curada no abrigo de Alexio. E por outro lado, se estava realmente a ficar louca, não seria mais fácil e lógico entregar-me à loucura de vez?
Assim, agarrei Alexio pelos colarinhos da camisa e empurrei-o contra a parede, beijando-o furiosamente. O beijo soube surpreendentemente bem. Os lábios dele depressa corresponderam, e ele puxou-me para si, agarrando-me pela cintura. Despenteei-lhe o cabelo naturalmente rebelde e aprofundei o beijo. As mãos dele deslizaram da minha cintura, agarraram as minhas coxas, puxando-me para cima, e eu entrelacei as minhas pernas à volta da cintura dele. Ele rodou-nos, ficando eu encostada à parede. A excitação e adrenalina corriam nas minhas veias, fazendo-me sentir viva e rebelde. A sensação era semelhante à de quando imaginara Loki a pôr-me protetor solar nas costas.
Os nossos lábios separaram-se, ambos procurando recuperar o fôlego. Tínhamos as testas encostadas, os narizes quase a tocarem-se. Ele beijou-me o pescoço, percorrendo a linha do maxilar com beijos delicados, até roçar os lábios nos meus, provocador. Puxei-o ainda mais para mim, sentindo um ardor e uma vontade dentro de mim que nunca sentira. Os meus lábios esmagaram os dele, ambos dançando em perfeita sintonia. O toque frio das mãos dele nas minhas coxas e costas era reconfortante. Eu tinha uma das mãos no cabelo dele e a outra desabotoava os botões de cima da sua camisa.
Fechei os olhos, querendo absorver aquele momento. O sabor dos lábios dele nos meus era uma sensação deliciosa: como um gelado que eu nunca queria acabar de saborear. O seu toque era frio e firme, mas ao mesmo tempo quente e delicado. Aquilo parecia tão errado, e no entanto, nunca algo na vida me parecera tão certo.
-Tive saudades tuas, Bridget – aquela voz foi como se me tivessem mandado um balde de água gelada para cima. Abri os olhos abruptamente e percebi de súbito por que razão o toque e o sabor dele me pareciam tão frios. Percebi porque é que me sentia tão bem nos braços de um desconhecido, e porque me sentia tão viva. Os meus olhos não se cruzaram com os castanhos de Alexio, a minha mão não estava a agarrar os seus caracóis pretos, os meus lábios não estavam a beijar os seus.
Não era Alexio há minha frente. Mas sim o Deus do Prejuízo em pessoa.
Os seus olhos azuis-esverdeados fitavam os meus com tantas emoções: fúria, desejo, luxúria, paixão. Os seus lábios rudes nos meus, era como se ele não quisesse nunca que o momento acabasse, e por muito que me custasse admitir, eu também não.
Mas depois percebi. Estava enrolada com Loki, a beijar os seus lábios. Por isso desentrelacei as pernas da cintura dele, reuni toda a força que consegui e empurrei-o para longe.
Depois não fiz mais nada.
A minha mão atingiu-o em cheio na cara.

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