Passaram três semanas
desde que Fury me dera a missão de vigiar Loki. Ele estava sempre a tentar
exaltar-me, mas não fez nenhum comentário suficientemente grave que me levasse
a usar os meus poderes magnéticos outra vez. Claro que continuámos com a nossa “novela”
como Tony apelidou às nossas conversas. Ele provocava-me, eu respondia, ele
sorria maleficamente e ficávamos em silêncio até ele retomar a conversa.
Também comecei a
dar-me mais com os Vingadores, almoçando com eles. Fui ter ao campo de treinos
com Steve uma vez e Natasha fez-me uma visita na sexta-feira de manhã à cela de Loki.
Estava sentada na
cadeira em frente a ele, a ler um livro, quando ela entrou, vestida com o seu
uniforme preto e sensual.
-Oh, vejam só quem
chegou – afirmou Loki com um tom sarcástico na voz.
-Poupa-me, Loki –
afirmou ela, caminhando na minha direção e lançando um breve olhar a Loki e depois olhando novamente para mim – o Fury
quer ter uma conversa contigo. Tu sabes, para ver se está tudo a correr bem…
com ele – fez um movimento com a
cabeça na direção de Loki.
-Podias ter mandado
SMS – comentei.
-Vim vigiá-lo - declarou ela.
-Ok! – exclamei,
talvez mais entusiasticamente do que deveria, mas era bom ter algum descanso
daquele trabalho monótono sem ser apenas à hora de almoço e à noite. No
entanto, Loki não parecia tão satisfeito, mas apressei-me a sair dali e a ir
ter com Fury.
-Então, como estão a
correr as coisas com o Loki? – interrogou ele, assim que cheguei à sala de
operações principal.
-Está tudo normal –
aleguei, olhando pelo vidro para os helicópteros e aviões a descolar e a
aterrar lá fora – está sempre a tentar manipular-me e a tentar deitar-me abaixo, mas
não é como se estivesse a resultar.
-Boa, porque estou a
dispensar-te desse trabalho – declarou ele, sem mais nem menos. Arregalei os olhos, admirada.
-Mas só passaram três semanas! Chegou à conclusão de que eu não era a pessoa indicada para o
trabalho? – arrisquei.
-Não, cheguei à
conclusão que eras a pessoa demasiado
indicada.
-O quê? – perguntei,
confusa.
-Reuni-me com alguns
dos outros dirigentes e chegámos à conclusão de que o Loki tem passado estas
semanas demasiado feliz para o nosso gosto.
-Estás a dizer-me
que devo ser mais dura com ele? – questionei.
-A questão não é
essa, agente Robinson – admitiu Fury - confesso que os Vingadores têm vindo ter
comigo alertar-me para o facto de estar a desperdiçar os teus poderes com algo
que não nos é produtivo, com algo que pode ser facilmente feito por outra
pessoa. Não tinha percebido isso, apesar de também me teres avisado, mas agora
percebo que os teus poderes podem e devem ser usados para outros fins, fins
mais dignos e produtivos.
-E em relação ao
facto de ser demasiado branda com Loki?
-Vamos pôr gente que
o ignore completamente e que não lhe dê motivos para se divertir.
-Então é isso que eu
sou? Uma fonte de divertimento para ele? – perguntei, indignada.
-Não foi isso que
quis dizer – disse Fury – só estou a dizer que Loki, bom, gosta dessas vossas
conversas sarcásticas e nós não nos podemos dar ao luxo de ele ficar
confortável.
Não sei porquê,
senti um baque no coração quando ouvi Fury pronunciar tais palavras. Só estou a dizer que Loki, bom, gosta dessas vossas conversas
sarcásticas…
Eu não acreditava
muito nisso. As conversas podiam dar-lhe algum gozo, mas pensei que Loki as
achasse irritantes e inúteis. Porque era isso que eu achava.
-Então, quem é que
me vai substituir? E que é que vou fazer? – averiguei.
-Guardas armados,
para que Loki caia no desespero. Não há nenhuma missão para que seja necessária
neste momento, agente Robinson, por isso acho que por agora pode fazer o que
lhe apetecer...
-Oh – foi tudo o que
consegui dizer. Não sabia definir os meus sentimentos naquele momento.
Sentia-me confusa, feliz, triste, inútil… não gostara daquele trabalho no início
e claro que preferia estar a trabalhar em missões mais entusiasmantes, mas ao
fim de algum tempo começara a habituar-me a levar o meu trabalho cada vez mais
a sério… e agora Fury voltara com a sua palavra atrás e estava oficialmente a
dispensar-me.
-Não fique triste,
agente Robinson e não leve isto como um ultraje à sua importância e valor. Sei
que é poderosa e é por isso que lhe sugiro que treine e desenvolva os seus
poderes – as súbitas mudanças de Fury de se dirigir a mim por você ou por tu já não me baralhavam, pois já me habituara a elas. Era possível
que Fury só me estivesse a pedir para treinar para eu não me sentir tão vazia e
inútil, mas quis acreditar que era por uma causa maior. Talvez… talvez Fury
quisesse que eu usasse os meus poderes para algo maior. Algo como… algo como a
equipa de super-heróis mais famosa e poderosa do momento...
Algo como os
Vingadores.
*
Depois de receber a
notícia de que estava fora da missão de vigiar Loki, tentei não ficar triste,
mas também não ficar com falsas esperanças em relação ao uso dos meus poderes.
Ia encaminhar-me para o campo de treinos quando me apercebi que deixara o meu
livro no posto de vigia em frente à cela de Loki, pelo que me dirigi até lá. Cruzei-me
com Natasha na porta.
-Vou chamar os guardas que o vêm vigiar.
O teu livro está na cadeira. Até logo – disse ela.
-Adeus – afirmei e quando ela saiu fui
buscar o meu livro à cadeira.
-Então, vais-te embora? – ouvi a voz de
Loki, fria e distante como sempre.
-Sim. Finalmente – tentei sorrir, mas
qualquer pessoa podia perceber que era um sorriso forçado.
-Não é que tenha
pena, mas confesso que me proporcionavas uma fonte de diversão – cerrei os
punhos quando ele disse isto, mas ele continuou – agora com estes guardas
aborrecidos não vou poder fazer nada de divertido, não vou poder gozar com eles
nem…
-Nem vais poder
sentir a ira do meu poder – salientei e ele sorriu sarcasticamente.
-Nem sequer é assim
tão doloroso – argumentou.
-Queres que te
refresque a memória, Loki? – perguntei, agora eu com um sorriso irónico.
-Não é preciso. Não
sou estúpido ao ponto de me deixar humilhar duas vezes por uma mulher mortal.
Cruzei os braços sob
o peito, a fúria a crescer dentro de mim. Sempre detestara comentários
machistas.
-Então és machista?
Ele levantou as mãos
em sinal de explicação, o sorriso ainda na cara.
-Sou um Deus.
Revirei os olhos.
-Um Deus estúpido,
pelo que vejo! Queres que te demonstre o poder da humilhação provocado por uma
mulher mortal, Loki?
-Não admito que me
chames Deus estúpido, sua…
-E eu não te admito
que te aches superior a todos ainda por cima quando saíste derrotado e estás
enjaulado numa cela! – gritei eu, perdendo o controlo. Os olhos dele emitiram
um brilho estranho ao mesmo tempo que o seu sorriso se abria ainda mais.
-E quem te disse que
eu saí derrotado?
-Oh, então estás a
dizer-me que o teu plano foi sempre ficar selado? Que a tua definição de
vitória é passar o resto dos teus dias preso? Não tentes dar-me a volta, Loki!
-E tu não me tentes
dizer o que devo ou não devo fazer! Sou um Deus!
-Não é o que deves dizer ou não, é o que tens de fazer ou não! – contrapus – e perdeste
o estatuto de Deus quando decidiste fazer o que fizeste!
Loki avançou,
ficando a centímetros do vidro.
-Como ousas dizer
isso?
-Só estou a dar voz
à realidade – afirmei, a voz novamente calma.
-Não me ponhas à
prova, mortal…
-O meu nome não é
mortal, é Bridget Robinson – cortei eu - e parabéns, Loki, porque não me vais
voltar a exaltar dessa maneira. Destruir-te-ia antes que pudesses sequer tentar.
-Oh, a mortal está a
sair da casca, hã? – troçou ele.
-Agora percebo
porque Odin te baniu – declarei e isso foi a gota de água. Loki ficou
enraivecido e espetou um murro no vidro. Fiz os possíveis para não piscar os
olhos, mas tinha consciência de que nunca vira Loki tão furioso.
Ponto de vista de
uma terceira pessoa (narrador não participante)
-Dói, não dói? –
perguntou Bridget. Ela não sabia o que lhe estava a dar, mas naquele momento
sentiu a urgência de deitar tudo cá para fora, de ser má pelo menos uma única
vez na vida, de se fazer ouvir – ouvir a verdade!? Que não passas de um reles menino abandonado, a pensar que é homem, que é um grande Deus que pode dominar
tudo e todos? Dói saber que estás sozinho no mundo, que toda a gente te
abandonou e virou costas, porque foste demasiado cruel e orgulhoso para admitir
as tuas falhas, para pedir desculpa, para sentir remorsos! No fim de tudo,
Loki, foste apenas demasiado estúpido para ser humano! Não no sentido de
nasceres na Terra, mas no sentido de conseguires amar, bem como sofrer! Perdeste
essa capacidade, não perdeste, Loki?
Olhou-o fixamente, à
espera de uma resposta, mas Bridget só obteve um olhar irado e uma expressão
assustadora vindas dele. Com isto, abandonou a sala, demasiado cedo para
conseguir ouvir Loki murmurar:
-Não, não perdi.
E depois teve de se
lembrar que estava a ser vigiado e teve de morder o interior das bochechas com
tanta força que fez sangue para que uma lágrima não lhe caísse pelo rosto, para que não demonstrasse fraqueza. Porque ela,
aquela mulher mortal, estava parcialmente correta e parcialmente errada. Sim, ele ainda
era um menino abandonado, frágil, que apenas precisava de ser amado, mas que
fazia tudo para o esconder, e escondia-o debaixo de uma máscara fria, sarcástica,
impenetrável.
Mas ela também
estava errada. Loki, tal como ela, pensara que tinha perdido a sua humanidade, a sua capacidade de amar e
sentir dor, mas algo nela… algo naquela simples mulher, naquela simples mortal… fizera despertar
essa humanidade em Loki, por muito que lhe custasse admitir.
E agora ela tinha-se
ido embora.
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