sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Humanidade

Passaram três semanas desde que Fury me dera a missão de vigiar Loki. Ele estava sempre a tentar exaltar-me, mas não fez nenhum comentário suficientemente grave que me levasse a usar os meus poderes magnéticos outra vez. Claro que continuámos com a nossa “novela” como Tony apelidou às nossas conversas. Ele provocava-me, eu respondia, ele sorria maleficamente e ficávamos em silêncio até ele retomar a conversa.
Também comecei a dar-me mais com os Vingadores, almoçando com eles. Fui ter ao campo de treinos com Steve uma vez e Natasha fez-me uma visita na sexta-feira de manhã à cela de Loki.
Estava sentada na cadeira em frente a ele, a ler um livro, quando ela entrou, vestida com o seu uniforme preto e sensual.
-Oh, vejam só quem chegou – afirmou Loki com um tom sarcástico na voz.
-Poupa-me, Loki – afirmou ela, caminhando na minha direção e lançando um breve olhar a Loki e depois olhando novamente para mim – o Fury quer ter uma conversa contigo. Tu sabes, para ver se está tudo a correr bem… com ele – fez um movimento com a cabeça na direção de Loki.
-Podias ter mandado SMS – comentei.
-Vim vigiá-lo - declarou ela.
-Ok! – exclamei, talvez mais entusiasticamente do que deveria, mas era bom ter algum descanso daquele trabalho monótono sem ser apenas à hora de almoço e à noite. No entanto, Loki não parecia tão satisfeito, mas apressei-me a sair dali e a ir ter com Fury.
-Então, como estão a correr as coisas com o Loki? – interrogou ele, assim que cheguei à sala de operações principal.
-Está tudo normal – aleguei, olhando pelo vidro para os helicópteros e aviões a descolar e a aterrar lá fora – está sempre a tentar manipular-me e a tentar deitar-me abaixo, mas não é como se estivesse a resultar.
-Boa, porque estou a dispensar-te desse trabalho – declarou ele, sem mais nem menos. Arregalei os olhos, admirada.
-Mas só passaram três semanas! Chegou à conclusão de que eu não era a pessoa indicada para o trabalho? – arrisquei.
-Não, cheguei à conclusão que eras a pessoa demasiado indicada.
-O quê? – perguntei, confusa.
-Reuni-me com alguns dos outros dirigentes e chegámos à conclusão de que o Loki tem passado estas semanas demasiado feliz para o nosso gosto.
-Estás a dizer-me que devo ser mais dura com ele? – questionei.
-A questão não é essa, agente Robinson – admitiu Fury - confesso que os Vingadores têm vindo ter comigo alertar-me para o facto de estar a desperdiçar os teus poderes com algo que não nos é produtivo, com algo que pode ser facilmente feito por outra pessoa. Não tinha percebido isso, apesar de também me teres avisado, mas agora percebo que os teus poderes podem e devem ser usados para outros fins, fins mais dignos e produtivos.
-E em relação ao facto de ser demasiado branda com Loki?
-Vamos pôr gente que o ignore completamente e que não lhe dê motivos para se divertir.
-Então é isso que eu sou? Uma fonte de divertimento para ele? – perguntei, indignada.
-Não foi isso que quis dizer – disse Fury – só estou a dizer que Loki, bom, gosta dessas vossas conversas sarcásticas e nós não nos podemos dar ao luxo de ele ficar confortável.
Não sei porquê, senti um baque no coração quando ouvi Fury pronunciar tais palavras. Só estou a dizer que Loki, bom, gosta dessas vossas conversas sarcásticas…
Eu não acreditava muito nisso. As conversas podiam dar-lhe algum gozo, mas pensei que Loki as achasse irritantes e inúteis. Porque era isso que eu achava.
-Então, quem é que me vai substituir? E que é que vou fazer? – averiguei.
-Guardas armados, para que Loki caia no desespero. Não há nenhuma missão para que seja necessária neste momento, agente Robinson, por isso acho que por agora pode fazer o que lhe apetecer...
-Oh – foi tudo o que consegui dizer. Não sabia definir os meus sentimentos naquele momento. Sentia-me confusa, feliz, triste, inútil… não gostara daquele trabalho no início e claro que preferia estar a trabalhar em missões mais entusiasmantes, mas ao fim de algum tempo começara a habituar-me a levar o meu trabalho cada vez mais a sério… e agora Fury voltara com a sua palavra atrás e estava oficialmente a dispensar-me.
-Não fique triste, agente Robinson e não leve isto como um ultraje à sua importância e valor. Sei que é poderosa e é por isso que lhe sugiro que treine e desenvolva os seus poderes – as súbitas mudanças de Fury de se dirigir a mim por você ou por tu já não me baralhavam, pois já me habituara a elas. Era possível que Fury só me estivesse a pedir para treinar para eu não me sentir tão vazia e inútil, mas quis acreditar que era por uma causa maior. Talvez… talvez Fury quisesse que eu usasse os meus poderes para algo maior. Algo como… algo como a equipa de super-heróis mais famosa e poderosa do momento...
Algo como os Vingadores.


*

Depois de receber a notícia de que estava fora da missão de vigiar Loki, tentei não ficar triste, mas também não ficar com falsas esperanças em relação ao uso dos meus poderes. Ia encaminhar-me para o campo de treinos quando me apercebi que deixara o meu livro no posto de vigia em frente à cela de Loki, pelo que me dirigi até lá. Cruzei-me com Natasha na porta.
-Vou chamar os guardas que o vêm vigiar. O teu livro está na cadeira. Até logo – disse ela.
-Adeus – afirmei e quando ela saiu fui buscar o meu livro à cadeira.
-Então, vais-te embora? – ouvi a voz de Loki, fria e distante como sempre.
-Sim. Finalmente – tentei sorrir, mas qualquer pessoa podia perceber que era um sorriso forçado.
-Não é que tenha pena, mas confesso que me proporcionavas uma fonte de diversão – cerrei os punhos quando ele disse isto, mas ele continuou – agora com estes guardas aborrecidos não vou poder fazer nada de divertido, não vou poder gozar com eles nem…
-Nem vais poder sentir a ira do meu poder – salientei e ele sorriu sarcasticamente.
-Nem sequer é assim tão doloroso – argumentou.
-Queres que te refresque a memória, Loki? – perguntei, agora eu com um sorriso irónico.
-Não é preciso. Não sou estúpido ao ponto de me deixar humilhar duas vezes por uma mulher mortal.
Cruzei os braços sob o peito, a fúria a crescer dentro de mim. Sempre detestara comentários machistas.
-Então és machista?
Ele levantou as mãos em sinal de explicação, o sorriso ainda na cara.
-Sou um Deus.
Revirei os olhos.
-Um Deus estúpido, pelo que vejo! Queres que te demonstre o poder da humilhação provocado por uma mulher mortal, Loki?
-Não admito que me chames Deus estúpido, sua…
-E eu não te admito que te aches superior a todos ainda por cima quando saíste derrotado e estás enjaulado numa cela! – gritei eu, perdendo o controlo. Os olhos dele emitiram um brilho estranho ao mesmo tempo que o seu sorriso se abria ainda mais.
-E quem te disse que eu saí derrotado?
-Oh, então estás a dizer-me que o teu plano foi sempre ficar selado? Que a tua definição de vitória é passar o resto dos teus dias preso? Não tentes dar-me a volta, Loki!
-E tu não me tentes dizer o que devo ou não devo fazer! Sou um Deus!
-Não é o que deves dizer ou não, é o que tens de fazer ou não! – contrapus – e perdeste o estatuto de Deus quando decidiste fazer o que fizeste!
Loki avançou, ficando a centímetros do vidro.
-Como ousas dizer isso?
-Só estou a dar voz à realidade – afirmei, a voz novamente calma.
-Não me ponhas à prova, mortal…
-O meu nome não é mortal, é Bridget Robinson – cortei eu - e parabéns, Loki, porque não me vais voltar a exaltar dessa maneira. Destruir-te-ia antes que pudesses sequer tentar.
-Oh, a mortal está a sair da casca, hã? – troçou ele.
-Agora percebo porque Odin te baniu – declarei e isso foi a gota de água. Loki ficou enraivecido e espetou um murro no vidro. Fiz os possíveis para não piscar os olhos, mas tinha consciência de que nunca vira Loki tão furioso.



Ponto de vista de uma terceira pessoa (narrador não participante)

-Dói, não dói? – perguntou Bridget. Ela não sabia o que lhe estava a dar, mas naquele momento sentiu a urgência de deitar tudo cá para fora, de ser má pelo menos uma única vez na vida, de se fazer ouvir – ouvir a verdade!? Que não passas de um reles menino abandonado, a pensar que é homem, que é um grande Deus que pode dominar tudo e todos? Dói saber que estás sozinho no mundo, que toda a gente te abandonou e virou costas, porque foste demasiado cruel e orgulhoso para admitir as tuas falhas, para pedir desculpa, para sentir remorsos! No fim de tudo, Loki, foste apenas demasiado estúpido para ser humano! Não no sentido de nasceres na Terra, mas no sentido de conseguires amar, bem como sofrer! Perdeste essa capacidade, não perdeste, Loki?
Olhou-o fixamente, à espera de uma resposta, mas Bridget só obteve um olhar irado e uma expressão assustadora vindas dele. Com isto, abandonou a sala, demasiado cedo para conseguir ouvir Loki murmurar:
-Não, não perdi.
E depois teve de se lembrar que estava a ser vigiado e teve de morder o interior das bochechas com tanta força que fez sangue para que uma lágrima não lhe caísse pelo rosto, para que não demonstrasse fraqueza. Porque ela, aquela mulher mortal, estava parcialmente correta e parcialmente errada. Sim, ele ainda era um menino abandonado, frágil, que apenas precisava de ser amado, mas que fazia tudo para o esconder, e escondia-o debaixo de uma máscara fria, sarcástica, impenetrável.
Mas ela também estava errada. Loki, tal como ela, pensara que tinha perdido a sua humanidade, a sua capacidade de amar e sentir dor, mas algo nela… algo naquela simples mulher, naquela simples mortal… fizera despertar essa humanidade em Loki, por muito que lhe custasse admitir.
E agora ela tinha-se ido embora. 

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