Quando a minha mão
bateu na sua cara, percebi que desta vez era a sério. Era real, não uma
qualquer ilusão de ótica, não uma alucinação. Loki estava realmente diante de
mim. Tínhamos acabado de nos envolver, ele tinha acabado de me enganar e eu
tinha acabado de lhe bater.
-Lá se vai o meu
último truque de magia – disse Loki, a voz que eu tanto tentara esquecer e ao
mesmo tempo tanto tentara relembrar.
-Que é que estás
aqui a fazer? E porque é que acabaste de te passar pelo Alexio? – perguntei,
completamente confusa.
Não sabia como era
possível Loki esboçar um sorriso sarcástico naquelas circunstâncias.
-Bridget, nunca
houve o Alexio. Ele não existe. Todo este tempo… era eu. Disfarçado.
-O quê?
-É verdade. Confesso
que fico contente por teres sido tão resistente ao charme “dele”, mas vejo que
nem tu conseguiste resistir.
-És maluco! Como é
que pudeste!? E porquê?
Ao ver-me tão
desamparada, confusa e magoada, a expressão de Loki suavizou-se. E mesmo sem
admitir, continuava a adorar o efeito que tinha sobre ele.
-Não estás a
enlouquecer, Bridget – afirmou Loki, como se me lesse a mente – todas aquelas
vezes… em Londres, em Tóquio… em Melbourne… todas aquelas vezes que julgaste
ver-me, que achaste que estavas a endoidecer, era eu, Bridget. Era eu, lá da
cela em Asgard, a projetar ilusões em Midgard, para me certificar de que
estavas bem.
Aquilo apanhou-me
desprevenida. A revelação de que não só não estava doida como também Loki usara
o seu poder para se certificar de que eu estava bem era aterradora.
Estranhamente, não desconfiei dele. Acho que a nossa relação há muito já
passara do ponto da desconfiança. Agora sabia que ele faria tudo isto por mim.
Mas isso não tornava nada disto mais fácil.
-E porque é que
“criaste” o Alexio? E és mesmo tu, agora? Não és uma ilusão?
Loki sorriu. Mas
desta vez foi um sorriso verdadeiro.
-Se eu fosse uma ilusão,
esta ter-se-ia desvanecido com a tua bofetada. Sou real, Bridget. Sim, tu
acabaste de me beijar, mesmo.
Revirei os olhos.
-Passei estes dois
últimos anos fechado numa cela em Asgard. A minha mãe… visitou-me muitas vezes.
O Thor também.
Fiquei contente com
o facto de Loki chamar “mãe” a Frigga.
-Não penses que não
foi difícil. Foi aterrador. Estava assustado. Era insuportável ter de passar
todos aqueles dias na cela, sem… sem te poder ver. Sem te ter comigo. A única
coisa que me mantinha são, além das visitas da minha família, eras tu. Pensar
que um dia sairia daquele lugar para te voltar a ver. Acho que me fizeste
descobrir a esperança, Bridget. Foste o que manteve a minha sanidade.
Engoli a emoção e
forcei-me a falar com uma voz firme.
-Isso não explica o
facto de aqui estares.
-Acho que tinhas
razão. Descobri que há pessoas, além de ti, que ainda se preocupam comigo. A
minha mãe e o Thor, por exemplo. Viram que estava lentamente a enlouquecer
naquele lugar, sabiam que não ia aguentar muito mais tempo sem ti. E levar-te
para Asgard não era uma opção, nem eu queria isso. Então fizeram algo que eu
sei que nunca serei capaz de retribuir, algo que eu sei que não mereço. Foram
falar com Odin. Moveram montanhas para o convencer. Ele gosta demasiado do Thor
e da minha mãe, por isso acedeu. Deixou-me ir embora da prisão, deixou-me
regressar a Midgard, mas com uma condição. Estou privado dos meus poderes. Odin
tirou-mos. Esta ilusão com o Alexio foi a minha última. Confesso que, para
último truque, foi bastante bom.
Revirei os olhos,
mas não disse nada. Estava demasiado comovida e surpreendida com o facto de
Loki ter preferido vir para a Terra sem o seus poderes do que ficar em Asgard
com eles. E tudo por mim.
-A minha mãe e Thor
vêm visitar-me. Heimdall está constantemente a vigiar-me. Odin quer que me
misture com os humanos. Vai ser difícil, sendo eu considerado o maior inimigo
da Terra.
-Podes sempre fazer
como eu – declarei.
-Eu sei. Pintaste o
cabelo - observou Loki. Depois hesitou por um segundo – preferia-te loira.
Não respondi, pelo
que Loki prosseguiu:
-Estar aqui, sem
poderes, é, segundo Odin, como vir cumprir o resto da minha sentença em
Midgard. Mas estar contigo nunca será uma sentença.
Desviei os olhos dos
dele.
-Passaram-se dois
anos, Loki. Dois anos sem ter qualquer notícia de ti, dois anos a tentar
esquecer-te, a evitar pensar em ti, ainda que fosse inevitável. Odeio-te por
não me teres dito que eras tu, por não me teres garantido que não estava a
ficar louca, de todas aquelas vezes que pensei que te via. Odeio-te por me
teres feito sofrer tanto, por me teres enganado, por te aproveitares!
Loki olhou-me com
tal tristeza que julguei não poder continuar. Mas prossegui.
-Odeio-te por me
teres feito apaixonar por ti, odeio-te por tudo o que passei por tua causa, mas
acima de tudo, a única razão porque te odeio é porque te amo! E odeio como te
amo, e ao mesmo tempo não odeio. Ao mesmo tempo sei que não me arrependo,
porque isto, o que nós temos, é a coisa mais feliz que já me aconteceu na vida.
Porque és tu a pessoa que me faz sentir mais viva, porque és tu em quem eu
estou sempre a pensar, porque no final do dia foste tu que estiveste lá para
mim… e porque sei que, apesar de tudo, foste a melhor coisa que já me aconteceu
na vida.
Já não conseguia
controlar, as lágrimas escorriam-me pela cara abaixo. Mas eu não me importava.
Tudo o que dissera era a mais pura das verdades, sempre o soubera. E agora
conseguira admiti-lo, não só a mim, mas a Loki. Não sabia como era possível
amar alguém que já causara tanto mal, mas amava. Porque ele tinha mostrado o
lado bom, de uma forma indireta ou não.
Loki aproximou-se, a
sua mão fria a limpar-me as lágrimas, a testa dele a tocar na minha, os nossos
narizes quase a tocarem-se, como quando ele era Alexio.
-Tu sabes que eu não
te mereço, que nunca te merecerei.
Desencostei a minha
testa da dele.
-Não te tentes
convencer que só há maldade em ti, Loki, porque eu já vi a bondade. Vi como
lutaste por mim, como me salvaste do Klaus, como nos ajudaste a enfrentar
Magneto… vi a tua preocupação e o teu carinho, não só por mim, mas por Frigga e
Thor. Acho que é altura de começares a convencer-te de que os teus tempos de
vilão acabaram, Loki. Tu não és assim. Em parte estavas a ser controlado pelo
Tesseract. E em parte estavas consumido por mentiras e vinganças. Não que eu te
esteja a desculpar, tu sabes que não. Só estou a dizer a verdade. Sei que nunca
devias ter agido como certas vezes agiste, mas aprendes com os erros. Tu
próprio o disseste. Talvez… talvez um dia consigas perceber o que é o perdão
humano. Talvez um dia consigas perdoar-te a ti próprio. Tu sabes que eu já te
perdoei há muito.
E depois aconteceu algo
que eu nunca esperei que acontecesse. Os olhos de Loki ficaram húmidos, e as
lágrimas começaram a descer-lhe lentamente das faces. Estava a chorar. O
outrora Deus do Prejuízo estava a chorar.
-Loki… – murmurei.
-Bridget, tu és a
melhor coisa que eu tenho na vida. Algo que eu nunca pensei que me pudesse vir
a acontecer, algo que eu sei que não mereço. E o facto de que tu continuas a
amar-me, mesmo depois de tudo o que eu fiz… eu sei que não fiz nada, em todos
os meus anos de vida, tão bom para te merecer.
-Loki, o amor não é
sobre isso. Amor é quando duas pessoas, independentemente dos erros do passado,
se conseguem olhar nos olhos e dizer o que sentem. E a mim sempre me foi
difícil dizer como me sinto. Mas eu sei disto, Loki. Eu amo-te.
Agora também eu
estava a chorar. Era um momento demasiado intenso e emocionante para conseguir
reter as lágrimas. Loki voltou a encostar a testa na minha. Desta vez, não
hesitou. Colou os lábios dele aos meus, uma explosão de emoções subindo pelo
meu corpo acima, correndo nas minhas veias. Sentia frio e calor ao mesmo tempo.
Nunca na vida
pensara que algo assim, apaixonar-me por alguém como Loki, me pudesse
acontecer. Mas não me arrependia. Muitos dos erros dele eram indesculpáveis,
sim, e se amá-lo também fosse, então está bem. O nosso amor seria
indesculpável. Mas ninguém podia negar que ele não era também intenso,
emocionante e ardente.