No resto do dia, fechei-me no meu quarto a arranjar a mala. Não sabia exatamente quando partiria de volta à Terra, mas sabia que seria em breve e não queria ficar desprevenida. Depois de toda a adrenalina dos últimos acontecimentos, desde o túnel das flores até ao julgamento, começava finalmente a acalmar-me e a pensar nas coisas com mais clareza e calma. O beijo de Loki não me saia da cabeça; mesmo sabendo que não fora ele a capturar-me, ainda não sabia porque me beijara. Tinha de ser para me irritar, só podia. Mas depois, na placa de prata... que novas emoções seriam essas que eles referiam acerca de Loki? E porque é que Klaus me capturara a mim como forma de atingir e atrair Loki? Convencera-me que Loki só fora à minha procura porque Thor insistira ou para que as outras pessoas não suspeitassem que tinha sido ele a arquitetar o plano, mas agora estava confusa.
A ida a Asgard tinha sido perigosa e confusa, mas mesmo assim sentia-me melancólica, quase triste, por deixar o planeta. Fechei a mala com um baque abafado e sai do quarto. Precisava de espairecer, mas em vez de me dirigir para a vila, encaminhei-me para a praia. Alguns asgardianos caminhavam no areal, pequenas crianças brincavam na areia, construindo castelos ou chapinhando nas poças, tal como os humanos faziam. Olhavam-me de forma estranha e não consegui perceber se era por estar a usar roupa de humanos - calções de ganga e t-shirt branca - se por me associarem como sendo Bridget Robinson, a rapariga que Loki fora resgatar. Como se eu precisasse da ajuda dele. Estúpido Loki.
Com os chinelos de dedo numa mão, percorri o areal da praia, deixando que as ondas me molhassem os pés. Cheguei a uma zona mais recostada, com rochedos e grutas. Sentei-me numa das rochas, fixando o mar. Não me surpreendi quando a voz fria e familiar se fez ouvir.
-A precisar de algum tempo para pensar, Bridget? - questionou. Deitei-lhe um olhar rápido, revirando os olhos ao constatar que até na praia continuava a vestir o seu traje.
-É assim tão difícil dizer apenas olá? - interpelei - é que começas sempre com perguntas ou comentários sarcásticos. E como é que consegues estar com toda essa roupa na praia?
-Nunca tenho calor - afirmou firmemente - mas por acaso, quero fazer-te sim uma pergunta.
Suspirei.
-Diz.
-Porque o fizeste, Bridget?
Engoli em seco, não desviando os olhos do mar. Ele prosseguiu.
-Porque me quiseste ajudar? Qualquer pessoa normal teria ignorado o Tesseract ou então teria chamado a segurança, acusando-me ainda mais... mas tu usaste-o para tentar provar que eu não estava sempre em mim.
-Porque sou justa, Loki - respondi, saltando da rocha - mesmo que não mereças desculpas nem ninguém que te ajude... se estavas a ser usado, as pessoas têm o direito de saber e tu tens o direito de recorrer ao que te pode ajudar.
-Conheço montes de gente justa que não faria o que fizeste, Bridget - continuou ele.
-Talvez eu seja apenas idiota. Mas o que está feito, está feito, Loki, esquece.
-És uma mente estranha e confusa para mim, Bridget. Difícil de compreender.
-Bom, aceito isso como um elogio - declarei, esboçando um pequeno sorriso.
-As outras pessoas parecem gostar - murmurou.
-Se calhar - encolhi os ombros.
-Aqui estão vocês - disse uma voz trovejante. Olhei para trás, abrindo a boca de espanto quando vi Thor montado num lindo cavalo castanho, mais dois ao lado - pensei em como a Bridget se vai embora cedo... fazermos um passeio a cavalo para desanuviar.
-Os três? - interroguei, franzindo o sobrolho.
-O quê, nunca montaste a cavalo? - picou-me Loki.
-Não é algo que os humanos façam com muita frequência - argumentei, cruzando os braços sob o peito.
-Não faz mal. Nós ajudamos - incentivou Thor e não tive coragem de dizer que não ao ver o seu grande sorriso.
Loki deu uma palmada no cavalo preto, eu tentei subir para o que tinha o pêlo cor de areia, mas era demasiado alto.
-Oh, por amor dos Deuses - resmungou Loki, deslizando do seu cavalo e aterrando agilmente na areia. Ajoelhou-se na areia e pôs as mãos em forma de concha.
-Prende o teu pé nas minhas mãos e iça uma perna para o outro lado do dorso do cavalo - afirmou ele. Sentia o meu orgulho ferido por Loki me estar a ajudar, mas isso não impedia o meu coração de bater mais depressa. Coloquei um pé nas mãos de Loki e ele não fez o mais pequeno esgar de dor quando me impulsionei com toda a minha força para o cavalo. Estes não tinham sela, pelo que tive me segurar à sua crina.
-Estás bem segura? - perguntou Loki. Assenti com a cabeça e ele montou graciosamente no seu cavalo preto.
-Prontos? - questionou Thor - vamos!
Bateu com as pernas no cavalo e Loki fez o mesmo, desatando estes a galopar pela areia, com as patas a chapinhar nas ondas e os seus cabelos ao vento, as pessoas na praia a observá-los, espantadas. Deixei-me ficar para trás, avançando com cuidado. Vi Thor e Loki a pararem lá à frente. O meu cavalo trotou lentamente até eles. Loki e Thor viraram os deles para ficarem de frente para mim.
-Só agora? Estava a ficar com sono - gozou Loki.
-Poupa-me, Loki. Batia-te na Wii Sports.
-Na quê? - interrogou Thor.
-É apenas um jogo dos midgardianos - afirmou Loki.
-Desculpem, Loki, Bridget, tenho de ir andando - declarou Thor, continuando a não entender o que era uma Wii - importavam-se de voltarem a pôr o Shadow e o Kalipso nos estábulos?
-Claro que não nos importamos - respondi - adeus.
Thor sorriu e desapareceu a galope com o seu cavalo.
-Atreves-te a uma corrida? - perguntou-me Loki, com um sorriso malicioso.
Revirei os olhos.
-Vai à frente. Eu depois apanho-te - aleguei.
-Como queiras - ele apertou o cavalo com as pernas e desatou a galope. Segui-o a trote, mas a imagem dele a gozar comigo fez-me apressar o cavalo. A sensação de velocidade era alucinante e o meu cabelo esvoaçava à minha volta, mas a felicidade durou pouco tempo. O cavalo relinchou e atirou-me ao chão e já nem sequer estávamos na praia, pelo que não aterrei na areia mas sim numa série de arbustos.
-Au -sentei-me a custo, examinando o corte que tinha no joelho e outro na anca do lado direito. O meu cavalo tinha desaparecido, e eu estava no meio de um prado verdejante. Ouvi passos de cavalo a aproximarem-se.
-Vês? Até os cavalos têm medo de ti - sorriu Loki, sentado no seu cavalo preto.
-Ai, tu também tens? - indaguei, sorrindo. Ele revirou os olhos e desceu do cavalo.
-Deixa-me ver se te magoaste.
-Isto não é nada, já passa. Mas o cavalo desapareceu.
-Não te preocupes com o Kalipso. Ele não se perde. É bom a encontrar o caminho de volta - acocorou-se junto a mim, examinando o meu joelho direito - o corte no joelho é o único que tens?
Engoli em seco e senti-me corar.
-Não. Tenho um... na anca. - só que está tapado pela t-shirt, completei mentalmente.
-Bom, deixas-me vê-lo? - questionou, educadamente. Não esperava aquele seu comportamento gentil. Primeiro de tudo, não esperava que viesse ver se eu estava bem. Pensava que se ia limitar a rir. Depois, esperava que não se importasse com o que eu dissesse e levantasse logo a t-shirt para ver o corte. Mas não se mexeu enquanto eu não acenei levemente com a cabeça.
O seu toque frio na minha pele fez-me cerrar os dentes e um arrepio - que presumi ser de frio - percorreu-me a espinha. Ele levantou a minha t-shirt do lado direito, apenas o suficiente para ver o corte feio e sangrento.
-Deves ter-te cortado nalgum espinho - observou Loki. Pegou-me nas mãos, o seu toque frio a fazer-me sentir como nunca me sentira. Puxou-me levemente, mas em vez de me fazer levantar, ele caiu para trás no prado e eu caí em cima dele, rodeados por relva alta e fofa. O meu coração começou a bater mais depressa, sem que eu o pudesse controlar. As nossas caras estavam a centímetros uma da outra e os nossos corpos tocavam-se. Os seus olhos perscrutavam os meus, indecifráveis. Inconscientemente aproximei-me, mas recuei antes que os nossos lábios se pudessem tocar.
-Desculpa - dissemos ao mesmo tempo. Eu sorri e ele também, mas foi um sorriso genuíno.
-Achas que te consegues levantar? - perguntou-me.
-Acho que sim - afirmei. Ele ajudou-me, mas o joelho ardia-me, bem como o corte na anca, e doía-me o pé esquerdo.
-Não me parece que consigas andar nesse estado. Além disso, o caminho até aos estábulos ainda é longe - referiu ele e então, sem me avisar, pegou-me ao colo sem esforço e colocou-me suavemente em cima do cavalo, que relinchou. Loki depressa o acalmou, sussurrando-lhe algo ao ouvido que não consegui ouvir - cuidado, Bridget - avisou ele, saltando para o cavalo e sentando-se à minha frente - é melhor agarrares-te.
A sua voz parecia estar a sorrir e conseguia imaginar o tipo de sorriso que ele estava a fazer. Sarcástico.
-O quê, Loki, tu não...
-Vamos! - gritou ele, apertando os calcanhares contra o dorso do cavalo e obrigando-me a agarrar-me à sua cintura, enquanto o cavalo cavalgava pelo prado verde.
*
Ponto de vista de Loki
O toque dela na minha cintura lançava arrepios pelo meu corpo inteiro e só esperava que ela não conseguisse ouvir o meu coração a bater tão depressa. Era uma paisagem linda, aquela que nos rodeava: o sol começava a pôr-se no prado, lançando raios dourados contra o verde do prado. Mas nada era comparado a Bridget... ela era apenas... ela. E isso era suficiente para me fazer sentir diferente, para não reconhecer o que se passava comigo.
-Então, tens o hábito de falar com animais? - perguntou ela ao fim de algum tempo.
-Shadow tem sido o meu cavalo desde pequeno. Sou das raras pessoas que o consegue montar. É muito instável.
-Então, eu também faço parte dessas pessoas - disse Bridget, o seu hálito quente a bater-me no pescoço. Eu sorri.
-Tecnicamente, eu é que o estou a montar. Nunca o conseguirias montar sozinha. Quer dizer, tiveste dificuldades em montar o Kalipso, que é um dos cavalos mais mansos do reino!
-Escusas de estar sempre a atirar-me isso à cara, Loki. Já ambos percebemos que não sou muito dada a cavalos.
-Aborreci-te? - questionei.
-Querias - resmungou ela e percebi pela voz que tinha um sorriso a bailar-lhe os lábios. Não a conseguia compreender pelo facto de ela ainda me continuar a aturar, depois de tudo o que eu fizera. Eu não merecia tanta generosidade da parte dela. Preferia quando ela me ralhava e me chamava pelo que era. Mas nestes momentos não sabia o que fizera para merecer alguém como ela. Porque tinha a certeza que nunca fizera nada tão grandioso para receber a companhia de alguém tão bondoso. Ugh, estava mesmo a tornar-me num lamechas.
Ficámos em silêncio o resto da viagem e finalmente chegámos ao estábulos. Ajudei-a a sair do Shadow, embora o orgulho dela não estivesse muito recetivo à minha ajuda. Coloquei o meu cavalo no compartimento correto, dando-lhe um torrão de açúcar.
-Se tratasses as pessoas como tratas o Shadow, irias ser aceite - comentou ela.
-Bom, não vou andar por aí a distribuir torrões de açúcar pelas pessoas, pois não? - argumentei, com uma pontada de sarcasmo na voz. Ela revirou os olhos e eu já podia adivinhar uma discussão a vir aí. Ela pareceu ver o mesmo que eu, por isso desistiu e caminhou ao pé coxinho até fora dos estábulos. Segui-a.
-Levo-te à enfermaria - ofereci-me, pegando-lhe ao colo antes que pudesse ripostar.
-Não penses que me vais levar assim, Loki - replicou ela. Suspirei, pousando-a no chão. Coloquei o braço dela em redor do meu ombro, enquanto lhe pus uma mão na anca esquerda.
-Assim está melhor? - questionei, cerrando os dentes. Ela sorriu de satisfação.
-Assim está ótimo - concordou ela. Esbocei um meio sorriso enquanto nos dirigíamos ao palácio. Que é que se passava comigo? Porque me sentia diferente com ela? Ela... fazia-me sentir mais vivo, mais brilhante. E ela fazia-me feliz. Mas eu nunca o admitiria.
Sem comentários:
Enviar um comentário