quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Túnel de flores

De noite, dormi mal. Não sei se tive pesadelos ou se eram sonhos, mas tudo o que via eram cores: verde, azul, cinzento e preto; eram sempre estas e quando acordei, vesti-me, arranjei-me e saí do quarto. Quando dobrei a esquina para um corredor novo, vi Loki. Rodei nos calcanhares e dei meia volta, contornando a esquina para mudar de caminho, mas não antes de ouvir a sua voz.
-A fugir de mim? – perguntou.
-Mais como a evitar-te – respondi e continuei caminho sem que ele me pudesse responder. Encontrei Thor, Sif, Fandral, Volstagg e Hogun no salão de banquetes. Juntei-me a eles e passámos o dia juntos. Mostraram-me mais alguns pontos de Asgard, como a vila e as casas de aspeto medieval, os estábulos, a biblioteca, etc.
Ao fim da tarde, no jardim do palácio, Thor perguntou-me quando os outros não estavam a ouvir:
-O Loki foi ter contigo ontem à noite, quando saíste do jantar? – engoli em seco e fixei o olhar nas plantas do jardim.
-Não – respondi.
-Pois, eu perguntei-lhe o mesmo e ele disse que tinha sido só uma desculpa para sair daquele “jantar patético”.
-Porquê, ele tinha dito alguma coisa depois de eu sair? – perguntei, questionando-me como é que Thor podia saber e ficando contente por Loki não ter dito nada.
-Sim, a minha mãe tinha perguntado se te deveria ir procurar e o Loki respondeu a dizer que ia ele. Pelos vistos era tudo mentira.
-Pois – concordei, mas um arrepio esquisito percorreu-me a espinha.

*

Uma semana passou desde que chegara a Asgard. Frigga já não parecia sentir-se culpada por ter falado da minha família e até era fácil conversar com ela e com Odin. Passava a maioria dos dias com Thor, Sif e os Três Guerreiros e só via Loki ao jantar, praticamente. Não sabia onde ele passava os dias, mas convenci-me que também não queria saber. No domingo, passava uma semana e um dia desde que chegara a Asgard e faltavam cinco dias para o julgamento, que seria na sexta-feira, resolvi ir passear sozinha. Precisava de pensar e relaxar sozinha. Tinha saudades da S.H.I.E.L.D., de acordar no meu quarto e ir até ao bar ou até ao refeitório, de treinar com Steve, de ouvir as piadas de Tony e os comentários inteligentes de Bruce, a ironia de Natasha e mesmo o silêncio de Clint.
Pensava nisto tudo enquanto passeava pela vila, vendo crianças pequenas a brincar, mulheres a conversarem à janela e homens a trabalhar como ferreiros, mas o meu pensamento acabou por cair em Loki. Ultimamente, e para meu desagrado, pensava muito nele. Ele era frio, arrogante e cruel, ou assim parecia… algo nele fazia-me pensar que era apenas uma capa, uma defesa, uma proteção e eu não conseguia compreender como é que ele não percebia, ou não queria perceber, que Frigga, Odin e Thor ainda o amavam. Talvez Loki não quisesse o amor deles, mas não me parecia esse o caso. Mas claro, era impossível perceber o Deus do Prejuízo... ele era imprevisível, manipulador, sarcástico e…
-Quero mostrar-te uma coisa – uma voz familiar interrompeu os meus pensamentos. Olhei para trás, espantando-me ao ver Loki. Pelos vistos, tinha autorização para sair do palácio. As pessoas cochichavam à sua volta, mas não pareciam ter medo. Sabiam que os reis eram sensatos e não deixavam que Loki saísse à rua sem ser devidamente vigiado, a não ser que ele tivesse fugido.
-Estás a a falar comigo? – perguntei.
-Não está ninguém atrás de ti e estou a olhar na tua direção – respondeu ele, o sorriso sarcástico a bailar-lhe os lábios. Revirei os olhos. Estava farta das brincadeiras dele e de saber que não podia confiar nele. Virei costas e continuei a andar, mas percebi que ele me seguia. Estaquei à frente de um ferreiro cujas quatro filhas, de aspeto adolescente, olhavam para nós.
-Que é que queres? – perguntei, num tom acusador.
-Quero mostrar-te uma coisa – repetiu ele. Ia abrir a boca para responder, mas ouvi risinhos e murmúrios ao nosso lado. Virei a cabeça para ver as quatro filhas do ferreiro a babarem-se e a apontar para Loki sem quererem ser discretas. Loki esboçou um meio sorriso maléfico, que surtiu efeito e as deixou ainda mais enfeitiçadas. Mas aquele tipo tinha-lhes lançado um feitiço ou quê?
-Podes mostrar-lhes a elas – afirmei, num tom frio, movendo a cabeça na direção das quatro jovens – está-me cá a parecer que lhes ia agradar muito.
Loki virou-se para mim e revirou os olhos.
-Não sejas patética. Quero mostrar-te a ti.  
-Pois, claro, devo ser a única pessoa estúpida o suficiente para cair nas tuas armadilhas. Poupa-me – declarei e ele olhou-me severamente.
-Eu não disse isso. E se deixasses de ser casmurra pelo menos uma vez…
-Não é uma questão de teimosice, é uma questão de confiança – afiancei e como os risinhos das raparigas me estavam a irritar voltei a virar-me para a frente e a seguir caminho. Loki apanhou-me rapidamente e começámos a caminhar lado a lado, as gargalhadas das adolescentes a desvanecerem-se à medida que as deixávamos para trás.
-Ok, fazemos assim. Tu sabes que se eu te estiver a enganar tens poderes para me castigar e também sabes que os meus passos estão a ser todos controlados ao pormenor, por isso, o mínimo passo em falso que dê vou direto para uma cela. Portanto, visto isto, que vantagem teria eu em enganar-te?
A lógica dele fazia sentido, mas ainda estava desconfiada.
-Mas também não estou a ver a vantagem em não me enganares – admiti. A expressão dele mudou de séria para aborrecida.
-Como queiras. Depois dizes que eu é que não dou oportunidades às outras pessoas…
-Isso é chantagem – referi.
-Mas resulta – fez ele ver, o sorriso a preencher-lhe a cara.
-Não, que eu saiba… - mas lá no fundo, eu sabia que a chantagem resultara. Mesmo que aquilo fosse uma armadilha, estava tentada e curiosa – que eu saiba ainda não me mostraste o que querias mostrar.
-Estamos quase lá – disse Loki e apercebi-me que saíramos da vila e que entráramos numa floresta. Comecei a ficar desconfiada e a concentrar-me nos meus poderes até que o caminho de terra em que estávamos desembocou na mais bonita clareira que jamais vira. 



E então o meu coração emitiu um baque, ao ver aquela maravilha, ao perceber que era aquilo que Loki me queria mostrar e a não ser que monstros saltassem de repente daquelas flores, era um local maravilhoso. Mas não sabia quais as intenções de Loki e isso punha-me nervosa.
-Então, o que achas? – interrogou ele, ao fim de algum tempo.
-É… é lindo – aleguei. Ele sorriu, mas não com o seu sorriso presunçoso, mas sim um pequeno sorriso genuíno – não sabia que isto existia.
-Poucos em Asgard sabem. A minha ma… a Frigga costumava-nos trazer até aqui, a mim e ao meu irm… ao Thor, quando éramos mais pequenos. Parece que ambos se esqueceram deste lugar.
-Porque dizes isso? Se calhar ainda se lembram… se calhar só precisam de alguém que lhes mostre novamente o caminho – sugeri eu.
-Sim, pois - replicou Loki. Revirei os olhos e olhei-o de frente.
-Não podes seguir um conselho meu pelo menos uma vez? - perguntei.
-Se eles ao menos fossem bons... - sorriu Loki.
-É impossível ter uma conversa séria contigo, Loki, estás sempre a contrariar e a gozar! - acusei eu. 
-Bom, não é por qualquer motivo que sou o Deus do Prejuízo! - exclamou ele. Fiquei calada - o quê, não vais argumentar? 
-Estou a ficar farta - admiti - pensas sempre que tu é que sabes e nunca queres ajuda, nunca ouves ninguém a não ser a ti próprio, pensas sempre que consegues fazer as coisas e depois tramas-te... e pensas que ninguém gosta de ti, só por seres o Deus do Prejuízo e...
Mas não consegui acabar a frase porque de repente Loki puxou-me para si e beijou-me intensamente. O meu ritmo cardíaco aumentou, e não sei porquê. Estava a beijá-lo, por debaixo daquele túnel magnífico de flores...
E subitamente, um estrondo fez-se ouvir e algo veio na minha direção, atirando-me ao chão.

Sem comentários:

Enviar um comentário