De noite, dormi mal.
Não sei se tive pesadelos ou se eram sonhos, mas tudo o que via eram cores:
verde, azul, cinzento e preto; eram sempre estas e quando acordei, vesti-me, arranjei-me
e saí do quarto. Quando dobrei a esquina para um corredor novo, vi Loki. Rodei
nos calcanhares e dei meia volta, contornando a esquina para mudar de caminho,
mas não antes de ouvir a sua voz.
-A fugir de mim? –
perguntou.
-Mais como a
evitar-te – respondi e continuei caminho sem que ele me pudesse responder. Encontrei
Thor, Sif, Fandral, Volstagg e Hogun no salão de banquetes. Juntei-me a eles e
passámos o dia juntos. Mostraram-me mais alguns pontos de Asgard, como a vila e
as casas de aspeto medieval, os estábulos, a biblioteca, etc.
Ao fim da tarde, no
jardim do palácio, Thor perguntou-me quando os outros não estavam a ouvir:
-O Loki foi ter
contigo ontem à noite, quando saíste do jantar? – engoli em seco e fixei o
olhar nas plantas do jardim.
-Não – respondi.
-Pois, eu perguntei-lhe
o mesmo e ele disse que tinha sido só uma desculpa para sair daquele “jantar
patético”.
-Porquê, ele tinha
dito alguma coisa depois de eu sair? – perguntei, questionando-me como é que
Thor podia saber e ficando contente por Loki não ter dito nada.
-Sim, a minha mãe
tinha perguntado se te deveria ir procurar e o Loki respondeu a dizer que ia
ele. Pelos vistos era tudo mentira.
-Pois – concordei,
mas um arrepio esquisito percorreu-me a espinha.
*
Uma semana passou
desde que chegara a Asgard. Frigga já não parecia sentir-se culpada por ter
falado da minha família e até era fácil conversar com ela e com Odin. Passava a
maioria dos dias com Thor, Sif e os Três Guerreiros e só via Loki ao jantar,
praticamente. Não sabia onde ele passava os dias, mas convenci-me que também
não queria saber. No domingo, passava uma semana e um dia desde que chegara a
Asgard e faltavam cinco dias para o julgamento, que seria na sexta-feira,
resolvi ir passear sozinha. Precisava de pensar e relaxar sozinha. Tinha
saudades da S.H.I.E.L.D., de acordar no meu quarto e ir até ao bar ou até ao
refeitório, de treinar com Steve, de ouvir as piadas de Tony e os comentários inteligentes
de Bruce, a ironia de Natasha e mesmo o silêncio de Clint.
Pensava nisto tudo
enquanto passeava pela vila, vendo crianças pequenas a brincar, mulheres a
conversarem à janela e homens a trabalhar como ferreiros, mas o meu pensamento
acabou por cair em Loki. Ultimamente, e para meu desagrado, pensava muito nele.
Ele era frio, arrogante e cruel, ou assim parecia… algo nele fazia-me pensar
que era apenas uma capa, uma defesa, uma proteção e eu não conseguia
compreender como é que ele não percebia, ou não queria perceber, que Frigga,
Odin e Thor ainda o amavam. Talvez Loki não quisesse o amor deles, mas não me
parecia esse o caso. Mas claro, era impossível perceber o Deus do Prejuízo... ele
era imprevisível, manipulador, sarcástico e…
-Quero mostrar-te uma
coisa – uma voz familiar interrompeu os meus pensamentos. Olhei para trás,
espantando-me ao ver Loki. Pelos vistos, tinha autorização para sair do palácio.
As pessoas cochichavam à sua volta, mas não pareciam ter medo. Sabiam que os
reis eram sensatos e não deixavam que Loki saísse à rua sem ser devidamente
vigiado, a não ser que ele tivesse fugido.
-Estás a a falar comigo? – perguntei.
-Não está ninguém atrás de ti e estou a olhar na tua direção –
respondeu ele, o sorriso sarcástico a bailar-lhe os lábios. Revirei os olhos.
Estava farta das brincadeiras dele e de saber que não podia confiar nele. Virei
costas e continuei a andar, mas percebi que ele me seguia. Estaquei à frente de
um ferreiro cujas quatro filhas, de aspeto adolescente, olhavam para nós.
-Que é que queres? –
perguntei, num tom acusador.
-Quero mostrar-te uma
coisa – repetiu ele. Ia abrir a boca para responder, mas ouvi risinhos e
murmúrios ao nosso lado. Virei a cabeça para ver as quatro filhas do ferreiro a
babarem-se e a apontar para Loki sem
quererem ser discretas. Loki esboçou um meio sorriso maléfico, que surtiu
efeito e as deixou ainda mais enfeitiçadas. Mas aquele tipo tinha-lhes lançado
um feitiço ou quê?
-Podes mostrar-lhes a
elas – afirmei, num tom frio, movendo a cabeça na direção das quatro jovens –
está-me cá a parecer que lhes ia agradar muito.
Loki virou-se para
mim e revirou os olhos.
-Não sejas patética.
Quero mostrar-te a ti.
-Pois, claro, devo
ser a única pessoa estúpida o suficiente para cair nas tuas armadilhas.
Poupa-me – declarei e ele olhou-me severamente.
-Eu não disse isso. E
se deixasses de ser casmurra pelo menos uma vez…
-Não é uma questão de
teimosice, é uma questão de confiança – afiancei e como os risinhos das
raparigas me estavam a irritar voltei a virar-me para a frente e a seguir
caminho. Loki apanhou-me rapidamente e começámos a caminhar lado a lado, as
gargalhadas das adolescentes a desvanecerem-se à medida que as deixávamos para trás.
-Ok, fazemos assim.
Tu sabes que se eu te estiver a enganar tens poderes para me castigar e também
sabes que os meus passos estão a ser todos controlados ao pormenor, por isso, o
mínimo passo em falso que dê vou direto para uma cela. Portanto, visto isto,
que vantagem teria eu em enganar-te?
A lógica dele fazia
sentido, mas ainda estava desconfiada.
-Mas também não estou
a ver a vantagem em não me enganares – admiti. A expressão dele mudou de séria
para aborrecida.
-Como queiras. Depois
dizes que eu é que não dou oportunidades às outras pessoas…
-Isso é chantagem –
referi.
-Mas resulta – fez ele
ver, o sorriso a preencher-lhe a cara.
-Não, que eu saiba… -
mas lá no fundo, eu sabia que a chantagem resultara. Mesmo que aquilo fosse uma
armadilha, estava tentada e curiosa – que eu saiba ainda não me mostraste o que
querias mostrar.
-Estamos quase lá –
disse Loki e apercebi-me que saíramos da vila e que entráramos numa floresta.
Comecei a ficar desconfiada e a concentrar-me nos meus poderes até que o
caminho de terra em que estávamos desembocou na mais bonita clareira que jamais
vira.
E então o meu coração
emitiu um baque, ao ver aquela maravilha, ao perceber que era aquilo que Loki
me queria mostrar e a não ser que monstros saltassem de repente daquelas
flores, era um local maravilhoso. Mas não sabia quais as intenções de Loki e
isso punha-me nervosa.
-Então, o que achas?
– interrogou ele, ao fim de algum tempo.
-É… é lindo –
aleguei. Ele sorriu, mas não com o seu sorriso presunçoso, mas sim um pequeno
sorriso genuíno – não sabia que isto existia.
-Poucos em Asgard
sabem. A minha ma… a Frigga costumava-nos trazer até aqui, a mim e ao meu irm…
ao Thor, quando éramos mais pequenos. Parece que ambos se esqueceram deste
lugar.
-Porque dizes isso?
Se calhar ainda se lembram… se calhar só precisam de alguém que lhes mostre
novamente o caminho – sugeri eu.
-Sim, pois - replicou Loki. Revirei os olhos e olhei-o de frente.
-Não podes seguir um conselho meu pelo menos uma vez? - perguntei.
-Se eles ao menos fossem bons... - sorriu Loki.
-É impossível ter uma conversa séria contigo, Loki, estás sempre a contrariar e a gozar! - acusei eu.
-Bom, não é por qualquer motivo que sou o Deus do Prejuízo! - exclamou ele. Fiquei calada - o quê, não vais argumentar?
-Estou a ficar farta - admiti - pensas sempre que tu é que sabes e nunca queres ajuda, nunca ouves ninguém a não ser a ti próprio, pensas sempre que consegues fazer as coisas e depois tramas-te... e pensas que ninguém gosta de ti, só por seres o Deus do Prejuízo e...
Mas não consegui acabar a frase porque de repente Loki puxou-me para si e beijou-me intensamente. O meu ritmo cardíaco aumentou, e não sei porquê. Estava a beijá-lo, por debaixo daquele túnel magnífico de flores...
E subitamente, um estrondo fez-se ouvir e algo veio na minha direção, atirando-me ao chão.
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