Não tive outro
remédio senão vestir outras roupas, pois aquelas estavam muito amarrotadas. Por
sorte, encontrei um guarda que me indicou o caminho até ao salão de banquetes. Bati
à porta, que estava vigiada por dois guardas, e ouvi a voz de Odin a
autorizar-me a entrar. Quando abri a porta, arregalei os olhos e engoli em
seco. Pensei que o jantar fosse com montes de gente, com Sif e os Três
Guerreiros, mas a grande mesa de madeira estava ocupada apenas por quatro pessoas:
Odin, Frigga, Thor e Loki e havia lugar para mais um. A sala tinha ornamentos
dourados, era de teto alta e bem iluminada, com uma lareira do lado direito e a
mesa ao centro e vários quadros nas paredes.
Odin sentava-se à
cabeceira da mesa, Frigga do seu lado direito, Thor do seu lado esquerdo. Loki
estava sentado ao lado de Thor e havia um lugar vazio à sua frente, ao lado de
Frigga. Adivinhem para quem.
Exato. Para mim.
-Peço desculpa se
cheguei atrasada – afirmei, estacando no meio da sala, sem saber como me
comportar.
-Ora essa, não
chegaste atrasada – descansou Frigga – sem formalidades, Bridget. Senta-te.
Assim o fiz, trocando
um olhar com Loki. Vi o seu sorriso mesquinho a aparecer, mas desviei o olhar
para o meu prato. Suspirei mentalmente de alívio ao constatar que era frango,
algo a que estava habituada a comer.
-Então, como está a
Jane? – perguntou Odin a Thor e sorri quando vislumbrei um leve rubor na cara de Thor. Jane Foster era uma cientista
por quem Thor se apaixonara quando chegara à Terra pela primeira vez.
-Está bem – respondeu
ele. Loki fez uma expressão de troça e só me apetecia mandar-lhe um pontapé por
debaixo da mesa. Ele não podia ver ninguém feliz que tinha logo de gozar!?
Céus!
-Loki, não zombes –
advertiu Frigga – nunca se sabe quando te pode acontecer a ti.
Ele soltou uma gargalhada de escárnio.
-Pois sim, como se
fosse gostar de uma patética mortal como a Jane Foster… - riu ele.
-Como se alguém
pudesse gostar de ti depois do que fizeste – respondeu Odin, a voz severa. Loki
olhou-o, furioso e eu senti-me a mais. Como se estivesse a intrometer-me numa discussão
familiar ou algo assim… não pertencia ali.
Um silêncio desconfortável
instalou-se no salão, todos com medo de dizer algo que pudesse piorar a
situação.
-Asgard é muito
bonito – afirmei eu, passado um pouco. De certeza que estava a fazer figura de
tola, mas pelo menos Odin, Frigga e Thor sorriram com orgulho.
-De facto, é –
concordou Odin.
-Mas chegou-nos aos
ouvidos que Midgard também tem os seus encantos – declarou Frigga, picando o
garfo na sua perna de frango.
-Sim, se não fosse a
guerra e outros crimes horríveis – não olhei para Loki, mas fiquei com a
impressão que os outros pensaram que lhe estava a mandar uma indireta.
-Fala-nos da tua
família, Bridget – pediu Frigga e eu por pouco não me engasgava com a água que
acabara de beber.
-Mãe – disse Thor.
Não sabia se ele sabia que o assunto “família” era um assunto delicado para
mim, mas ainda que lhe ficasse agradecia por ter interferido, não podia deixar
a rainha sem uma resposta.
-Bom, eu… - levantei
a cabeça do prato para a minha frente, e só depois me lembrei quem estava à minha
frente. Pensei que Loki fosse pôr aquele seu sorrisinho, mas tinha uma
expressão diferente… quase curiosa – sempre vivi com a minha avó. Bom, até aos
dezassete anos, porque ela… bom… - lutei contra a vontade de chorar – ela faleceu
e foi aí que descobri os meus poderes e a S.H.I.E.L.D me recrutou.
Sim, era verdade.
Nunca conhecera ninguém da minha família sem ser a minha avó, mas nunca tivera
problemas com isso. Claro que sempre me perguntara quem eram os meus pais e se
tinha mais família, mas sabia que eles tinham morrido num acidente de comboio
quando eu tinha apenas dois anos. De qualquer maneira, a minha avó era tudo
para mim, sempre cuidara de mim e me tratara bem, pelo que o meu mundo desabara
quando ela falecera. Por essa altura, tinha acabado o Secundário e não sabia o
que fazer. O Banco ficou com a casa da minha avó e dormi umas noites num hotel…
e depois um dia estava a sair de um supermercado quando me tentaram assaltar e
os meus poderes explodiram pela primeira vez, arrasando-os. Não sabia o que se passava, estava confusa e com medo, mas Fury descobriu e veio ter comigo, dando-me
um lar e ajuda para encontras as respostas que precisava. A S.H.I.E.L.D tem sido a minha casa desde então, mas consegui comprar
um pequeno apartamento em Nova Iorque. Fury deu-me espaço e tempo para refazer
a minha vida depois da morte da minha avó e eu agradeço-lhe muito por isso, ainda
mais porque se não fosse a S.H.I.E.L.D eu não saberia onde estaria agora.
-E os teus pais? –
perguntou Frigga, sem querer ser indelicada.
-Morreram quando eu
tinha dois anos – respondi, a voz sumida.
Frigga caiu em si.
-Oh, desculpa, eu não
queria… lamento muito. Não tinha o direito de desatar a fazer perguntas sobre
ti, Bridget, desculpa-me.
-A culpa não é sua,
majestade – afirmei, pousando os talheres no prato – mas se me dá licença…
preciso de apanhar ar.
-Claro – acedeu ela e
dito isto levantei-me e abandonei o grande e dourado salão de banquetes.
*
Ponto de vista de Thor
Bridget deixou o
salão e eu interroguei-me se deveria ir atrás dela.
-Eu e a minha grande
boca – resmungou a minha mãe, preocupada.
-Não te preocupes,
mãe. A Bridget não está chateada contigo, só precisa de espairecer – afirmei –
estará bem amanhã.
-Mas a culpa é minha…
-Não é. Não havia
maneira de saberes – indaguei.
-Acham que devia ir
atrás dela? – questionou a minha mãe e antes que eu ou Odin pudéssemos
responder, Loki disse algo que nos deixou a todos completamente boquiabertos.
-Não. Eu vou – e dito
isto, e antes que algum de nós pudesse sequer replicar, deitou o guardanapo para cima da mesa, levantou-se e saiu.
*
Ponto de vista de
Bridget
Uma lágrima
escorreu-me pela cara quando me sentei numa das muitas varandas do palácio, a
olhar o céu estrelado. Corria uma brisa fresca e não se via ninguém. O silêncio
era ocasionalmente interrompido pelo piar de um mocho ou pelo bater de asas de uma
coruja.
Olhei diretamente
para o céu, ouvindo passos, mas não conseguia dizer se eram verdadeiros ou se
eram fruto da minha imaginação.
-Tens de desculpar a
minha mãe – disse uma voz e não sabia se havia de ficar espantada por Loki ter
vindo atrás de mim se por chamar “minha mãe” a Frigga. Segundo ele, não queria
ter mais nada a ver com as pessoas com quem jantara e cá para mim ele só viera
ter comigo para me gozar.
-Não estou chateada
com ela – assegurei, limpando a cara com as mangas do casaco. Loki entrou no
meu campo de visão, encostando-se ao outro lado da varanda e pareceu-me ver uma
expressão de choque quando me viu a chorar, mas por certo era só imaginação
minha, estava escuro e Loki não se importava com ninguém à exceção dele.
-Bom, mas estás
claramente chateada com algo.
-Só estou triste
porque gostava muito dela – apercebi-me
que Loki sabia a quem me queria referir quando disse “dela”.
-Todos perdemos
coisas de que gostamos – afirmou Loki e em vez de lhe dizer que a minha avó não
era uma “coisa” senti-me tentada a questionar:
-Até tu?
O seu rosto escureceu
e ele desviou o olhar, mirando a noite escura.
-Sim… até eu.
Nessa altura, eu
sabia que ele estava apenas a enganar-me, mas não sabia porquê e muito menos
porque estava eu a entrar no jogo.
-Quem? – vi-me a
perguntar. Depois os seus olhos frios cruzaram-se com os meus e senti o velho
Loki de volta.
-Como se te fosse
dizer.
-Não precisas, porque
acho que consigo adivinhar – arrisquei, levantando-me do banco e inclinando-me
sobre o beiral da varanda, espreitando lá para baixo.
-Ai sim? Eu aposto
que não consegues – afirmou Loki.
-Acho que pensas que
perdeste o amor dos teus pais e de Thor – respondi rapidamente. Pela sua
expressão, não conseguia dizer se estava certa, mas já sabia que o Deus do
Prejuízo era imprevisível.
-Porque haveria de me
preocupar com eles? – interpelou.
-Porque eles se
preocupam contigo – afirmei, antes de pensar. Ele arqueou uma sobrancelha.
-Achas mesmo?
Virei-me e olhei-o
para o enfrentar, cruzando os braços sob o peito.
-Achas mesmo que se
eles não se preocupassem contigo te deixariam andar livremente pelo palácio e
ainda por cima te dariam um lugar à mesa? Pensei que o Deus das Ilusões fosse
um bocadinho mais esperto que isso.
-Deus das Ilusões?
Acho que nunca ninguém me tinha dito essa - ele sorriu presunçosamente.
-Essa não era a
questão. Estará um certo Deus a tentar escapar ao que eu estou a dizer? –
ironizei.
-Posso ser muita
coisa, mas não sou um covarde – argumentou ele.
-Nunca disse que eras
– contrapus.
-Mas pensaste.
-Também lês mentes,
é? – contestei.
-Às vezes gostava de
conseguir – respondeu ele e os seus olhos transmitiram-me uma sensação
diferente de todas as outras, tal como Heimdall, quando parecia que me via a
alma. Um arrepio percorreu-me o corpo.
-Sim, eu também –
desviei o olhar para o céu estrelado. Mordi o lábio, a meditar se devia dizer o
que me apetecia. Como ele ficou calado, avancei - porque não te redimes, Loki?
Ainda vais a tempo, sabes? – não me perguntem porque estava a falar disto, mas
parecia-me a coisa mais acertada a dizer – ainda há pessoas que gostam de ti,
apesar de tudo o que fizeste, ainda há pessoas prontas a perdoar-te, se tu ao
menos visses isso e conseguisses perdoar-te a ti próprio, se te conseguisses
livrar das trevas… se deixasses de te guiar pelos outros…
-Não preciso dos teus
sermões – cortou ele, a voz gelada e consumida pelo desprezo. Encolhi os
outros, tentando mostrar-me indiferente.
-Só estava a tentar
ajudar.
-Não preciso da tua
ajuda, mortal! Não da tua, não da de ninguém! Não preciso da tua pena, não
percebes nada disto!
-Oh, tens a certeza? –
encarei-o, o frio a envolver-me. Sabia que era ele a produzir aquele frio, mas
não me ia dar por vencida – é por causa desse teu comportamento defensivo e
arrogante que mergulhaste num estado em que pensas que estás completamente sozinho
e não há ninguém disposto a ajudar-te! Se tivesses coragem e sentisses remorsos,
se pedisses desculpa, se pedisses ajuda, nada estaria perdido! Mas já percebi
que não queres a minha ajuda, nem a de ninguém!
-Exato! – gritou ele
e lancei-lhe um último olhar furioso, indo-me embora.
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